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  • Segunda-feira, 06 de fevereiro de 2006

    Cavalos árabes

    Grandes em força
    Velocidade e beleza
    Nos assentos altos
    As cabeças pequenas
    De pescoço arqueado
    Carregando o peso
    De 36 séculos

    A raça pura
    A mais antiga
    Descendente direta
    Das cinco éguas
    Obedientes ao profeta

    Cruzando o deserto
    Cruzando os séculos
    Cruzando o estreito
    Entre o feito e o defeito
    Entre o céu e o inferno
    Entre o oriente e o ocidente

    Carregando nas costas
    O poderio dos impérios
    Os insultos de soldados sem soldos
    Pisando a riqueza do óleo da terra pobre
    Carregando nas costas
    Faraós e sultões, suntuosos,
    Desfilando sobre sedas e tecidos preciosos
    Comprados a preço de sangue

    Cem mil dracmas de ouro por outro puro
    Abbas Pascha despacha outra égua do deserto
    No magnífico Dar al Bayda
    Morreu ali, Mohamed Ali,
    Para que não contaminassem seus pedigrees
    Entre os grandes criadores do Oriente Médio
    Um outro ali
    Ali Pascha Cheriff
    Que chefiava a linha de montagem da linhagem
    Morreu desgostoso ao ver os cavalos dos filhos
    Venderem seus filhos magníficos

    Os cavalos árabes
    Não cabem no estábulo
    Não cabem na tenda
    Não cabem no estádio
    Não cabem na arábia
    Ouvem a voz da natureza sábia
    Buscam as campinas mais verdes
    Que se escondem nos jardins dos gozos vindouros

    Foi nesse momento
    Que os jogos nasceram
    E o mundo ficou pequeno
    E as outras raças se deixaram
    Cruzar com os reis das cruzadas
    E vieram os pégasus
    E os bastardos tornaram-se abastados
    E os puros muito mais afastados
    E o mundo ganhou novos cavalos
    Que desfilam sutis e majestosos
    O orgulho do oriente

    Louvado seja Alá
    Por nos doar a beleza
    Desses cavalosA força e o porte
    De quem nasceu nobre

    Os cavalos árabes impõem-se
    Reis do equilíbrio
    E aprenderam o que não puderam
    Os árabes cavalos

    Nenhuma mistura é perda
    Nada se resolve no coice

    weider angelo


    Poema escrito por conta da polêmica da infeliz charge dinamarquesa. Isto mostrou-nos apenas o quanto maior é o buraco que nos separa do mundo oriental.

    O que faz um povo resolver tudo na base da bomba? Na base do coice? Onde estão os lindos mandamentos do alcorão sobre o amor, a paz, a união, etc? Será que somos mais do que uma outra raça? Somos uma outra espécie? Será que não podemos dar uma chance a paz? Será que o que nos difere é muito maior do que nos assemelha? Mostro minha mais profunda indignação às respostas violentas para a falta de respeito da charge (ora, não concordo com o desesrespeito, mas em se tratando de humor, como diz o Millôr, o humorista quando atira, usa sempre bala de festim).

    Talvez falte mesmo um pouco de humor para os extremiistas. Se tivessem um pouco mais de humanidade, de sentido de justiça, pagariam, no máximo, na mesma moeda, fazendo alguma observação irônica ou cômica para o autor das tiras. Ou, o que seria ainda divino, simplesmente ignorariam a afronta.

    De qualquer modo, combater idéias com sangue é negar não apenas aos fundamentos espirituais de qualquer religião, mas também, mostrar o quanto somos de fato animais, menos nobres ainda, do que um cavalo árabe.

    Segunda-feira, 29 de agosto de 2005




    Vinte moedas

    I

    Aqui,
    Tudo que importa
    Se exporta, pela porta
    Dos fundos

    II

    A gente trafegada feito gado,
    A preço de banana nanica,
    Servos dos servos da rica
    Nação de burguês endividado,
    Serve à gente de espelho.

    III

    Que orgulho!
    O país modelo
    De vergonha.
    De vergonha,
    Cobre o rosto
    A modelo

    Mais linda do mundo.
    Brasileira,
    Mas, linda, do mundo.

    IV

    O pós-doutorado rouba
    Após.
    O mestre
    De obras rouba
    Como um mestre.

    O gigolô rouba à mãe do deputado,
    O assaltado ao dono do posto adulterado.

    O pastor saqueia o povo,
    O traficante e o camelô vendem sem nota
    (Mas pelo menos assumem)

    O presidenteDo sindicato
    Do roubo
    Desarmado,
    Rouba.

    Até o cleptomaníaco rouba
    (Rouba mas não diz)

    Todo mundo é o mesmo,
    Todo o Mundo, mesmo,
    Rouba esse país.


    O pobre
    Coitado
    Sobra.

    V

    Quem cobra imposto
    Encobre o rabo
    No país de cobra.
    Sim, aceito um cafezinho
    Se é de coração.
    Na auto-estrada as onças voam.

    VI

    Tem menos quem menos toma,
    Enquanto o povo vai tomando

    Cuidado até com a própria sombra.
    Alguém é preso por que grita:
    - Cuidado! A política anda solta!


    VII

    Eu perdi o dedo.
    Eu perdi o medo.
    Eu perdi o credo.

    Eu perdi o emprego.
    Eu perdi o senso.
    Eu perdi o crédito.

    Nessa anarquia disfarçada,
    O dinheiro balança calmamente,
    Sob uma trilha sonora da família Caymi,
    Sob a sombra, numa rede, de uma ilha Cayman.


    VIII

    Aqui
    Tudo se vende e compra
    De vendas, de vento
    Em pompa

    IX

    Vamos ouvir a mais ouvida.
    A mais paga
    Batida
    No jabá nacional.


    X

    Luís Inácio falou, Luís Inácio avisou
    São duzentos picaretas com anel de doutor.
    Esses versos
    Furtados
    De novo
    Comprovam:

    Ah...ele sabia sim.

    XI

    A escalação da seleção
    Acompanha
    A cotação do dólar.

    XII

    Tem mulheres
    De pedra
    Puxando os cabelos
    Em frente ao armário
    Cheinho de cabides
    Do planalto central


    XIII

    O Palloci do governo
    Foi acusado
    De andar com a turma do lixo

    XIV

    É feio comprar orgasmos
    E esquecimento
    Mas voto pode.


    XV

    O amputado federal
    Preside
    O maior espetáculo da terra.

    XVI

    Vende-se um circo
    Com vista para o mal.

    XVII

    Esse poema encontra-se de posse de um seqüestrador.
    Como não se valoriza a cultura nesse país
    Se o tivermos de novo um dia,
    Será dedo a dedo.

    XVIII

    Nessa tarde,
    O padre
    Que roubou sua infância
    Morreu de velho.


    XIX

    Vinte moedas de prata
    Foi o preço
    Do suicídio de Judas

    XX

    Até você
    Que é honesto
    Já sonhou em roubar
    Um beijo


    *****************


    Comentários:

    Todos os poemas foram escritos num jorro, depois devidamente trabalhado para ajustar em alguma técnica afim de produzir o efeito desejado.

    Todos possuem um tom meio jocoso, lúdico, irônico. Mas tratam de assunto sério: A perca de fé na nação. Na política. Na capacidade de qualquer ética resistir ao jeitinho brasileiro. A lei da vantagem. Ao apadrinhamento.

    I - Brincadeira com a desfavorável balança comercial.

    II - Lembrança dos escravos e índios comercializados sem o devido valor. A lei sempre do lado do mais "forte". Vale dizer que relembra também que fomos coloniados por pessoas que "deviam" à Coroa Portuguesa e que a exploração gerou muito mais riqueza para o Império do que para os que executavam as maldades do embrião capitalista. Esses eram tão servos quanto os escravos.

    III - Brinca com a baixo-estima que o brasileiro possue mas que ao mesmo tempo se orgulha de ser um país exportador de "mulheres bonitas". Ora, a maior modelo do mundo é brasileira, mas é do mundo. Fica mais tempo fora que dentro. Poucas empresas nacionais podem pagar seu cachê.

    IV - Conformismo que todo mundo rouba, menos o pobre honesto, o pobre coitado. Há alguns achados poéticos interessantes como o verso "O gigolô rouba à mãe do deputado," que dispensa comentários."O pastor saqueia o povo" foi escolhido saquear por que é um saco, uma sacola que passa na igreja.

    V - Poema sobre fiscais do imposto. Todos conhecemos casos próximos de pessoas que sonegaram algum imposto, maliciosamente ou não. E casos de fiscais que ofereceram "quebrar" a multa prevista em lei em troca de um "favor". Isso é o pior assalto - assalto dentro da lei. "Na auto-estrada as onças voam" é sobre os rodoviários que se deixam ou que se insinuam por suborno em troca de não aplicar a lei.

    VI - "Tem menos quem menos toma" é a mais pura verdade capitalista brasileira. E o povo vai tomando...cuidado até com a própria sombra - o seu próprio lado escuro - o seu próprio fraquejar diante de uma situação semelhante. Será que se me oferecessem mensalão eu não aceitaria?

    VII - A sensação de que uma vida de perdas justifica atos anti-éticos e até criminais. A sensação de que o "mundo de deve alguma coisa" e vou "cobrar com juros". E ao mesmo tempo de tanta miséria, tantos que roubam descaradamente o Estado. Anarquia? Isto é pior que Anarquia - é o engano de que há ordem no caos. (Os físicos podem contestar, ok. Mas a ordem caótica não entra nessa questão).

    VIII - Tudo se compra e vende de vendas. No escuro, na camaradagem. Na malandragem. De ventos em pompa. Brinca com a expressão "De ventos em popa" - que significa que vai numa velocidade grande e pompa - aparentar ser o que não se é. Os dois signos juntos cria um novo que é a velocidade enorme de conseguir ostentar, ser o que, de fato, no momento, não se é.

    IX - O uso de pagamento para que uma canção seja executada na rádio. Jabá é a maior ferida de um artista. O fato de que não importa a qualidade do produto, mas sim a qualidade do marketing que esse produto recebe. Isso vira signo para coisas como ouvir discursos políticos que são pura demagogia.

    X - O poema "empresta"(ok seria até plágio, olha nós roubando aqui, mas como recurso estilístico, licença poética) o refrão da canção do Paralamas, na qual o Herbert se "apropria" (ladrão que rouba ladrão...) de uma frase do então deputado Lula. É o sentimento de decepção, seguido daquele sorrizinho irônico de quem pega o outro em cima da cama. Ah...sabia sim...

    XI - Isso pode ser considerado uma acusação grave, mas "brinca", ou "sugere" duas coisas - primeiro que o que é de bom é exportado e que a "seleção" é feita a partir de critérios que podem ser considerados um tanto quanto...indignos.

    XII - Sobre cabides de emprego, descrevendo a estátua a célebre estátua próximo ao palácio.

    XIII - Sobre a acusação do envolvimento do ministro no escândalo do lixo. Também pela brincadeira que o Palácio do Governo - que representa o poder de decisão da nação - é o Palocci - uma insinuação de quem realmente manda nessa bodega.

    XIV - Compra de votos do povo (com santinhos, promessas, etc...) e dos deputados (mensalão, cargos políticos, etc).

    XV - Lula. O amputado federal, preside "o maior espetáculo da terra"alusão ao carnaval que é signo de bagunça, libertinagem, orgia, perversão. Diversão também. E a gente acaba por levar no humor o que seria intragável sóbrio.

    XVI - O país está a venda. Com "vista para o mar" (um privilégio, um benefício) virou com vista para o mal (um peso, uma desgraça).

    XVII - Sequestros relâmpagos. Nem sempre pagos. Nem sempre relâmpagos.

    XVIII - Abuso infantil. Morreu de velho - demorou para morrer.

    XIX - Vinte moedas de prata foi o preço da traição de Judas, ao vender Jesus para os fariseus. Quando este acordou de que havia cometido uma injustiça se arrependeu, mas era tarde. Suicidou-se. Por isso o poema vai direto ao preço do suicídio. Essa ida conta toda a história através do técnica escolhida. Também remete ao haver vinte poemas. Sendo que está como o XIX (19º) porque um está "sequestrado".

    XX - Roubar um beijo é bom, mas impróprio para maiores de 18 anos.


    Weider Weise

    Segunda-feira, 22 de agosto de 2005


    Vela


    Lá vai o veleiro
    Sob o sol
    Trêmulo.

    Singrando
    O mistério imenso, deixa o mar
    Sangrando.

    O talho do leme é breve.
    Qual atalho, o sal
    Abrevia a ferida na pele.

    Não há de haver marcas no mar,
    Como não há as do barco de ontem.
    Não perdura sequer a vida, o instante do curso.

    Só, eu, que de longe assisto e (a)pre(e)ndo,
    Só, sob o arregalado olho solitário,
    Levarei comigo o trajeto do barco.

    Lá vai a vela soprada,
    O pavio que fumega,
    Até se apagar no horizonte.


    weider weise

    ************


    Poema sobre a brevidade da vida. Sobre a não persistência. Sobre a necessidade de que qualquer existência seja apreendida por outra, pelo OUTRO.

    A idéia do poema me veio quando meditei que para mim, Drummond vive porque quando o leio, o seu pensamenteo, ou parte dele, parte do seu trajeto, vive em mim através do que ficou armazenado sob a forma de arte. Esse é o papel da arte, das fotos, da lembrança, da História. Persistir uma existência, uma idéia, um sentimento, etc...

    A primeira estrofe não usa as vírgulas para causar a ambiguidade do trêmulo se referenciar ao barco e ao sol. A imagem de algo trêmulo é ressaltar a sensação de brevidade, de inconstância, de não persistência.

    A segunda estrofe usa o som de singrando com o de sangrando, para expressar na forma estética da técnica a persistência do caminho do barco sobre o mar. Diz sobre o rastro (sangrando) deixado pelo barco ao singrar as águas. Pode ser também, por ambiguidade, o sangrando relacionado ao Barco, o barco que vai sangrando, se desfazendo...pode ser também, por ligação do todo à parte, a tripulação do barco.

    A terceira estrofe diz sobre a brevidade desse rastro, desse ferimento. A expressão "ferida na pele", causada pelo leme, pode ser a ferida na mão do marujo que segura o leme, como também a ferida na pele do mar, sobre as águas. O rastro é breve. Logo o sal apaga. O talho e o atalho fazem uma rima interna e rica, ligando o som dos dois versos, cujo o significado semântico está ligado entre si. Assim, a forma e o conteúdo se justificam: O atalho só existe porque houve o talho. A rima acontece no segundo verso somente porque apareceu no primeiro. Vale lembrar que a ferida no mar é o próprio trajeto do barco. O trajeto se apaga rapidamente.

    Na quarta estrofe a persistência do som marca e mar aumentam a sensação de rastro, persistência, duração, transmitida nos versos. O terceiro verso da estrofe vai perdendo esse som, indo para outros. Isto causa uma sensação de apagamento.

    A quinta estrofe diz que somente o espectador ficará marcado com a cicatriz da travessia do barco sobre o mar. A marca se apagará da pele do mar, mas não da memória daquele que assiste, solitário, como o sol (o arregalado olho solitário). O trajeto do barco ficará guardado dentro de quem está fora do barco. Além disso, o barco e o SER VIVO do eu-lírico, do narrador do poema, são um só. A uma disassociação entre o ser que descreve a própria vida e o ser em si. A autobiografia, poética ou não, é sempre sobre um outro, mesmo que o mesmo. Esse conceito parece estranho, mas quem filosofa sobre o SER, quem alguma vez fez ensaios ontológicos, sabe do que dizemos.

    Na sexta e última estrofe, o poema brinca com a semelhança entre a VELA pano de barco e a VELA chama de luz sobre a parafina. O barco então vira o próprio eu-lírico, a idéia da vida. A vida que promove um trajeto curto e logo se apaga e que deve ser persistida através de outro. Esse OUTRO pode ser uma pessoa, uma obra de arte, uma biografia, um livro, um filme, um poema. A vida do barco se apagará. Mas não a lembrança guardada. O OUTRO levará consigo o trajeto do barco. É sobre isso o poema.

    Segunda-feira, 15 de agosto de 2005


    Prole da deputada

    Eles me ferem com blandícias
    Ferem minha inteligência
    Notificam a polícia
    E policiam a notícia
    Lavagem de dinheiro por todo o globo
    Lavagem cerebral na caixa de assistir

    Os abutres
    Proferem palavras que ofendem
    Fendem
    Minha paciência

    Ferem enquanto puderem
    Querem que eu pense que são santos
    Querem que eu pense são profanos
    Querem que eu pense que são tantos
    Querem que eu pense que diferem

    E ferem meu ouvido
    Meu olvido
    Quem fiscaliza o fisco?
    Mesmo que limpo
    Nada arranca do vidro o risco

    Querem que eu pense que são porcos
    Querem que eu pense que são anjos
    Querem que eu pense que estão mortos
    Querem que eu pense que diferem

    E mentem meu ouvido
    Meu olvido
    Aumentam minha alma de esquecimento
    Quem que doa ao Leão o tino
    Mesmo que no circo
    Nada arranca a fera do ferino

    Querem que eu pense que são sãos
    Querem que eu esqueça da nação
    Querem que eu coma nas suas mãos
    Querem que eu pense que diferem

    Mas ferem meus ouvidos
    Meu olvido
    E tem havido instante em que eu duvido
    Que o demo da democracia
    Se escondeu no paraíso

    Minha alma brasileira é feita de chorinhos
    De choros
    De malandragem
    De jeitinhos

    Cambada de filho da de puta da


    Weider Weise

    Segunda-feira, 08 de agosto de 2005


    Amiga
    Para V.L

    Amiga,
    A liga
    Unindo-me a você
    É de uma delicada grandeza:
    Essência da muralha e da porcelana chinesa.

    A viga,
    Amiga,
    Que nos sustenta de pé,
    É esse seu tapete mágico:
    O gosto do belo, turismo autofágico.

    Amiga,
    Abriga
    Sua vida a minha. Sigam
    As duas urdidas, como o prazer
    Da maçã verde e da mordida.

    Weider Weise


    ----------------------------------------------------------------------------
    Poema escrito em homenagem à brilhante V.L.

    Sempre achei de mau gosto a ridícula expressão de que mulher, ou é bonita, ou inteligente.
    (Embora tenha lá a sua razão de existir...)

    Todavia, este poema é para alguém que, com certeza, não é apenas um rostinho bonito na multidão. É uma mulher inteligente e emocional. Sensível e vencedora. Bonita e inteligente. Frágil e resistente. E a melhor imagem que me ocorreu para descrevê-la é a de ser algo entre a muralha da China e uma porcela chinesa.

    O gosto do belo - turismo autofágico: tem um mundo de significações aqui: o gosto pela cultura, pelo produzir e consumir artístico, pela vaidade - narcisismo intelectual, etc...

    A inteligência dessa amiga é um desses achados decanais na vida de uma pessoa. O poeta no poema quer que essa amizade persista urdida, ligada, como o prazer que sente a mordida (ao morder a mação) e o da maçã ao ser mordida. Esse prazer só existe quando estão ligadas a mordida e a maçã.

    Segunda-feira, 01 de agosto de 2005


    Elegia do eletricista

    Ele já não sente
    Nos nervos
    Os nervos à flôr da pele.
    Ele já não sente a pele,
    Perfurada cinco vezes.

    Nenhuma eletricidade agora corre
    No inocente mineiro
    No jovem que morava tão longe
    Para ganhar a vida no corre corre de Londres,
    Mas Londres tem tanta neblina nas vistas

    Calaram-se, sem sentido,
    Os cinco sentidos.
    Os amigos protestam
    A falta do eletricista
    Morto pelo engano do terror à vista

    Weider Weise

    *************

    Poema em lembrança ao jovem brasileiro Jean, morto por engano em Londres. Vítima da reação do terror ocasionada pelos terroristas.

    Londres tem muita neblina (fog) - tanta que fica difícil enxergar às vezes - figura metafórica clara sobre a reação de combate ao terrorismo causando mais terror.

    A falta do eletricista pode ser lido como o fato de ter corrido, ou assustado ter corrido. Terror à vista é para lembrar o som de "terra a vista" que deveria ser uma expressão de alívio. Terror à vista é uma expressão de medo.

    No demais, contrariando Drummond, é sim um poema sobre acontecimentos. O fato me aborreceu. Meu irmão mora em Londres e por exercício intelectual coloquei-o no lugar do eletricista. Chorei por quase uma hora. Estou cada vez mais decepcionado com o ser (des)humano.


    Weider Weise.

    Segunda-feira, 25 de julho de 2005



    Acordo


    Repousa comigo no silêncio
    O sonho
    Que você acordou comigo

    Tivéssemos cumprido o acordo
    A cor do sonho adormecido
    Teríamos sido tão juntos juntos

    Volta
    ..........Re
    ..............Volta

    Re, pousa comigo no silêncio
    Sombra sobre os ombros
    Incompletude, escombros, sobras, desabrigo

    Enquanto acordo relembro
    E sonho
    Que você acordou comigo



    Weider Weise


    ****


    Poema sobre a incompletude causada pelo Pathos. Brinca com o duplo sentido de acordo. Acordar - despertar e acordar - concordar. O rompimento do acordo desperta uma incompletude em que esperava o cumprimento do acordo. A falta, a ausência sentida deve ser compensada pela imaginação, pela fantasia. Por isso o poema termina com "e sonho/ que você acordou comigo". Brinca também com o rompimento do sonho. Quando se "acorda" o sonho deveria acabar e começar a realidade. Mas como a realidade é desprovida do objeto do "sonho", ao acordar, o eu-lírico sonha, fantasia a realidade fazendo-a parecer com o desejado.

    Há alguns jogos poéticos interessantes:

    "Teríamos sido tão juntos juntos" usa da repetição para reforçar a idéia de fortaleza e união que o verso transcreve.
    "Volta
    ..........Re
    ..............Volta"

    Volta, "Re", volta. Ou, Volta, revolta. Ambos permitidos. O ir do objeto amado e por isso o não cumprimento do "acordo", traz uma revolta ao eu-lírico. Ao mesmo tempo, a dor causada pela ausência, cala por instantes a revolta e o eu-lírico se humilha pedindo que o objeto de seu afeto retorne, volte. Essa estrofe é símbolo perfeito da relação amor-ódio que se instaura na paixão não correspondida.

    "Re, pousa comigo no silêncio
    Sombra sobre os ombros
    Incompletude, escombros, sobras, desabrigo"

    Novamente, Re, pousa, volta, no silêncio..., os versos usam os sons de /br/ para dar a sensação de que algo permance em cada palavra dita. Isto é símbolo perfeito da reminescência que fica e que se pulveriza em tudo quando o ser está apaixonado. Tudo lembra, tudo traz consigo um pedaço daquilo que está ausente. O que não está é percebido em todo o lugar.

    O poema repete alguns versos propositadamente, para reforçar a idéia de que a rememoração do eu-lírico vai se utilizando das mesmas estruturas para se expressar diferentemente, ou seja, ao lembrar o passado e o futuro do passado imaginado não completado no presente, o eu-lírico subverte sua realidade, reconstruindo o presente tal qual deseja que fosse, e ao escrever os mesmos versos com outros sentidos, isto se torna símbolo de que a realidade de cada um é uma mistura de "real" e de "fantasia" para que o ser possa "acordar" e prosseguir com a vida, que possa "acordar" (concordar) com a vida. Mostra que podemos fugir do real através da fantasia, mas que mesmo quando fantasiamos, usamos elementos do real. Isso se mostra nos sonhos. Quando sonhamos, tendemos a utilizar elementos do nosso dia a dia, acontecimentos, fatos, pessoas, que expressam símbolos cujos significados são um compêndio maximizado de possibilidades. Nossas fantasias se fazem em cima de elementos reais. Isso está bem representado no modo em que o poema foi desenvolvido.



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