COLUNAS:


por Weider Weise



por Thiago Andrada



por Andréa Martins



por Wilton Carvalho



por Rodrigo Leme




ARQUIVOS:

  • novembro 2004
  • dezembro 2004
  • janeiro 2005
  • fevereiro 2005
  • março 2005
  • maio 2005
  • junho 2005
  • julho 2005
  • agosto 2005
  • fevereiro 2006







  • Segunda-feira, 20 de dezembro de 2004


    A l e x i t i m i a

    O corpo espremido se exprime no corpo e desaba

    Nada desata os nós enormes que se formam

    Quando as palavras
    .....................................em nós
    ..................................................se calam

    Weider Weise



    Esse poema trata, como diz o título, da Alexitimia.

    Alexitimia é uma pequena anormalia psicológica que acomete mais de 30% da população onde o ser não consegue expressar seu sentimento através de palavras. É quando a força do que se sente é tão real e intensa que se manifesta psíquica e fisicamente através de paúra, ansiedade, medo, tesão, angústia (como cousas da mente) e suor, tremedeira, choro, lacrimejar, taquicardia (através do corpo). O sujeito não consegue verbalizar o que sente e se calando as palavras, semelhante a uma comporta de muitas águas, o sentimento extravaza em choro, dor, enfim, sabe, sente, percebe, reconhece real o que lhe aflige, lhe desequilibra, mas não encontra as palavras para expressar e assim aliviar-se da dor.

    O poema brinca com três coisas:

    1) O som "espremido" (comprimido, apertado) e "exprime" (exibe, mostra) o corpo quando apertado por sentimentos fortes exprime esse aperto, essa dor, através do próprio corpo, na forma de choro, suor, tremedeira, etc.

    2) O som de desaba e desata, sendo que "desaba" fica no fim do primeiro verso, verso que possui um ritmo que acaba abrupto e cujo som continua em partes em "nada desata". Como em um desabamento, a terra caindo sobre si, assim se expressa o som.

    3) "Nós" como nó, tropeço, emaranhado e "nós" como terceira pessoa do plural. E as duas idéias juntas em "em nós" que pode ser "na gente" como "em muitos nós".

    O poema trata do poder da palavra. A psicoterapia nada mais é do que o processo pelo qual o indivíduo, devidamente auxiliado, materializa em palavras as suas angústias, seus complexos, os seus nós. E verbalizando o nó, o nó se afrouxa até, demorada mas frequentemente, desfazer-se. Não à toa, Freud começou os seus estudos como lingüista. A linguagem e a subjetividade são indissociáveis.

    "É na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito"
    escreveu Émile Benveniste no famoso e um dos mais belos textos sobre o tema: "De Linguística Geral I - Capítulo 21 - da subjetividade na linguagem".

    Se essa enorme porcentagem da população não consegue usar a ferramenta da expressão verbal, no outro lado da balança, há uma outra pequeníssima parcela que é anormal (fora da norma, fora da média, fora do comum) justamente por conseguir expressar-se competentemente o que deveras sente (ou não). O poeta tem uma mais desenvolvida competência linguística (citando Noam Chomsky, grande lingüista americano, um dos maiores pensadores vivos, professor de Harvard) que lhe permite um desempenho poético e linguístico superior aos demais.

    Quase sempre é uma capacidade nata, vide os repentistas nordestinos que com pouco ou nenhum estudo, são capazes de formular construções poéticas criativas elaboradas em segundos. Mas não podemos confundir o que o poema diz do que o poeta sente. Nem todo o poema, como nem toda a arte, nasce do que sente o poeta e sim do que imagina. É do imaginário, ou seja, o local onde as imagens se formam, se guardam, se combinam que o poeta através das palavras materializa sua obra de arte. A eterna briga da emoção (inspiração - fruto da vivência, do inesperado, da inteligência íntima, íntima visão de mundo do poeta) versus a razão (a técnica, o raciocínio, a gramática, o estudo, a imitação mimética, a adequação à forma). Entre essas duas forças que se comprimem que do poeta brotam versos.

    "O poeta é um fingidor.
    Finge tão completamente
    Que chega a fingir que é dor
    A dor que deveras sente.

    E os que lêem o que escreve,
    Na dor lida sentem bem,
    Não as duas que ele teve,
    Mas só a que eles não têm.
    E assim nas calhas de roda
    Gira, a entreter a razão,
    Esse comboio de corda
    Que se chama coração."

    (Fernando Pessoa)

    Em resumo: Enquanto os que sofrem de ALEXITIMIA não conseguem expressar o que de fato sentem, o poeta consegue expressar o que sente e também aquilo que não sente de fato, mas, imaginando, no ato, sente (e se sente).

    Weider Weise




    Segunda-feira, 13 de dezembro de 2004

    a d e u s a o m i t o

    Deus
    ...........Não
    ..................Morrerá
    .............................De veneno
    .........................................De cruz
    ....................................................De tédio

    Deus
    ...........Não
    ..................Morrerá
    .............................Sócrates
    .........................................Cristo
    ....................................................Presley


    Eric is God no muro de Londres
    Freud nos olha da estante
    Não cabe uma vida numa fita dat

    Deus
    ............não
    ......................dirá
    ...................................adeus


    ...........O ser de luz e remédio, sereno
    ...........vida de Lenin a Lennon
    ...........descende e liga a vida à vida
    .......................além
    ...............da morte
    ...........quando a alma nem desce ou sobe apaga ou acende


    some


    omisso na missa o mito óbvio
    orbita o óbito do dito

    pennis non homini datis


    a crença não
    ............morrerá
    .......................de carbono
    ...................................de divã
    ...............................................de genética
    ...........................................................a humanidade não
    Perecerá Patética
    A Palavra Eu
    Dentro de
    Deus
    ...........Não
    ..................morrerá
    .............................de hipótese
    ........................................de prova
    ...................................................de proveta

    Não desiste
    ...........o livro esquecido
    ...........na gaveta





    Weider Weise



    Segunda-feira, 06 de dezembro de 2004

    Imitação da vida


    A realidade e a imagem

    O arranha-céu sobe no ar puro lavado pela chuva
    e desce refletido na poça de lama do pátio.
    Entre a realidade e a imagem, no chão seco que as separa,
    quatro pombas passeiam.

    (Manuel Bandeira)

    Aristóteles, em sua poética, definiu a poesia (e assim a Arte como a entendemos hoje) como a “imitação de homens agindo”, ou seja, a Arte é a imitação da vida através da técnica.

    O poema acima é grande porque usa engenhosamente técnicas poéticas adequadas à sua matéria.

    Quando compõe um poema, o poeta sente a vontade ou a inspiração de se expressar e o faz através de palavras moldadas por técnicas poéticas como a aliteração, ritmo, etc, escolhidas nunca ao acaso, mas sim por se adequarem ao conjunto daquilo que se está criando.

    De todos os recursos utilizados no fazer poético, um dos mais importantes é a metáfora.

    Metáfora: do grego, quer dizer transportar. Resumidamente: uma imagem que transporte a outras. Exemplos:

    “O tempo é um rio”. Ou seja: Como o rio é fluído, contínuo, passa, assim o tempo.
    “A mulher é uma flor”. Como a flor é singela, bonita, delicada, perfumada, assim a mulher.

    O poema desta semana possui uma metáfora GENIAL sobre a arte *:

    Para compor sua metáfora, o poeta escolheu as seguintes imagens:

    “Arranha-céu”: Imagem que reflete algo grande, construído pelos homens, real, ambicioso, fruto da técnica e da capacidade do homem.

    “Poça de lama”: Imagem que reflete um algo pequeno, natural, simples, quase que desprezível.

    O poema apresenta um arranha-céu que sobe ao céu e desce à poça que, mesmo sendo tão pequena, nela se reflete e cabe a imagem do imenso construto. Ora, o poema se torna assim o SÍMBOLO de “algo muito grande poder ser CONTIDO dentro de algo muito pequeno”. De posse desse símbolo, podemos fazer infinitas interpretações. Eis uma:

    A chave para a interpretação deste poema nos ocorreu pelo fato de haver quatro versos no poema. Não por coincidência, há quatro pombas que passeiam no quarto verso. Podemos derivar que cada verso é uma pomba. As quatro pombas que passeiam entre a realidade e a imagem, no chão seco, podem ser, entre muitas outras coisas, a metáfora de um poema na folha de um livro de poesia, onde se separa a realidade e a imagem.

    O arranha-céu é a realidade, o mundo real. A poça de lama é a imagem, o mundo imaginado, o imaginário do ser.

    Tudo que é real, mesmo que seja algo imenso, concreto e que suba ao céu (que aqui podemos incluir todos os conceitos metafísicos, políticos, religiosos, etc) são percebidos porque descem ao imaginário, ao pensamento.

    O mundo existe para o ser porque existe e resiste dentro do ser.

    Kant, Heggel e quase todos filósofos meditaram, cada qual com a sua verdade, sobre a questão da realidade e da percepção da realidade. Schopenhauer filosofa que a reflexão não é mais que uma imitação, uma reprodução do mundo intuitivo. Ou seja, o REAL se reflete feito imagem no PENSAMENTO.

    E entre o real e o imaginado, entre a experiência e a invenção, entre a técnica e a inspiração, entre o acontecimento e o sentimento do acontecido, nesse “chão seco que os separa”, existe a POESIA, a ARTE, a CRIAÇÃO ARTÍSTICA, a imitação criativa do mundo.

    O Poema, que se manifesta no mundo real através de um escrito, é fruto do imaginário do poeta (poça de lama) onde algo da realidade se refletiu. Por exemplo: uma injustiça social, uma desilusão amorosa, um desaforo, etc, refletindo-se no poeta lhe inspiram para escrever um poema, que é físico, que é vivo, que se manifesta de forma real nesse entre-mundos que é a ARTE, o chão seco que separa o real da imagem.

    Uma das mensagens que podemos ler deste poema é que:

    O ARTISTA é o SER CAPAZ de DEVOLVER ao MUNDO REAL a APREENSÃO da REALIDADE, MOLDADA pela ARTE.

    Um poema é grande, é OBRA DE ARTE, quando a FORMA com que se expressa é adequada à matéria EXPRESSADA, exemplos:

    1) O poema, em resumo, diz de algo grande caber dentro de algo muitíssimo menor. E esse assunto, que é tão grande e complexo, cabe dentro de quatro versos, um poema pequeno.

    2) O som de “Arranha-céu” se reflete em “desce” e “poça” como se o som /s/, presente em “arranha-céu” estivesse refletido na poça.

    3) O primeiro verso diz que “O arranha-céu sobe no ar puro lavado pela chuva”, percebemos que o verso vai se prolongando com detalhes que nos causam a impressão de vermos o arranha-céu subindo e de repente ele desce ao segundo verso: “e desce refletido na poça de lama do pátio”. Percebe que o poeta escolheu quebrar a sentença e fazê-la continuar embaixo, em um novo verso, justamente quando o sentido do verso era descer? E como ele se prolonga acima, se prolonga abaixo, dando a impressão de estarmos olhando o arranha céu do chão ao topo e depois da poça cada vez mais abaixo.

    Eis um grande poema: A forma não poderia estar mais ajustada ao que se expressa no poema.

    Até semana que vem.

    Weider Weise



    *Em um poema, quando grande, as metáforas nele utilizadas, juntas compõem um símbolo que não pode ser traduzido. Assim, não se pode afirmar que “o poeta quis dizer isso” ou “o poeta está afirmando aquilo”. Primeiro porque o poeta não diz nada, quem diz é o objeto – o poema. Segundo que fazer essa tradução não apenas envilece o poema (lhe diminui o valor) como também será, quase sempre, uma adivinhação e não uma interpretação. A interpretação deve sempre se justificar nos elementos do texto.

    **Arthur Schopenhauer (1788-1860), filósofo Alemão, talvez o mais importante do Século XIX. “O Mundo como Vontade e como Representação”, página 46.

    PS: O título me fez lembrar uma canção do R.E.M. que gosto muito. Eia com uma tradução simples:

    Imitation of life
    (Michael Stipe)

    Charades, pop skill,
    Charadas, habilidade de ser popular
    (de explodir – referência à música pop)


    Water hyacinth
    Jacintos d’água
    (erva daninha de lago que acabam com o oxigênio e mata os peixes)


    Named by a poet
    Nomeados por um poeta
    (função do poeta – dar nome às coisas – palavra)


    Imitation of life
    Imitação de vida
    (função do poeta – imitar a vida)


    Like a koi in a frozen pond
    Como uma carpa num pequeno lago congelado
    (mesmo que grite ninguém escuta)


    Like a goldfish in a bowl
    Como um peixinho dourado num aquário
    (pode ser visto, mas não ouvido ou tocado)


    I don't want to hear you cry
    Não quero te ouvir chorar
    (de dentro não se ouve de fora)


    That sugar cane
    Essa cana de açúcar
    (Símbolo fálico – assim como os peixes)


    That tasted good
    Que tem um gosto bom
    (Discutível)


    That cynamon that Hollywood
    Essa canela, esse Hollywood
    (Literalmente - esse “pau-santo”, esse cigarro Hollywood)


    Come on, Come on,
    Vamos, vamos

    no one can see you try
    ninguém te verá experimentar
    (Convencendo a pessoa a fazer algo escondido)