COLUNAS:


por Weider Weise



por Thiago Andrada



por Andréa Martins



por Wilton Carvalho



por Rodrigo Leme




ARQUIVOS:

  • novembro 2004
  • dezembro 2004
  • janeiro 2005
  • fevereiro 2005
  • março 2005
  • maio 2005
  • junho 2005
  • julho 2005
  • agosto 2005
  • fevereiro 2006







  • Segunda-feira, 31 de janeiro de 2005


    Vanglória


    Que glória há, poeta, em subordinar orações ao dom teu?
    Vá embora.

    Que te valem as horas de joelhos diante do Verbo e do Verso?
    Que demora.

    Qual objetivo te advém em adjetivos e advérbios?
    Dê o fora.

    Que tanto à musa imploras? Apavore as visões da idéia, a luz no breu.
    Senta e chora.

    Quem que te enganas a gana de ser o Oráculo das nações?
    O vácuo que vigora nos corações crentes e ateus?
    A vida é agora, decora as lições, poeta,
    essa tola coroa te cora,
    tua última coroa, que ironia, será mesmo a de Flora.

    ............Sem pressa a dama da foice te aguarda e agoura,
    ............mas não apavora a morte quem vive de fato,
    ............quem compartilha, partilha a trilha, povoa a ilha.

    ............Fostes feto e serás por certo feito fosfato.
    ............Por Júpiter, poeta, Saturno a tudo ainda devora.
    ............Mesmo que permaneça a tua arte
    ..... ......tua melhor parte
    ............não serão para ti o aqui e o agora.

    ............Que vida tem Aquiles depois da flecha?
    ............No Hades se encontra quem antes se encontrava no
    Ágora

    A vida é o lugar onde o Superhomem
    cai do cavalo
    anda sobre rodas
    e morre morte inglória.

    Toda glória para, poeta, é vã e evapora


    Weider Weise


    Na cultura antiga ocidental (greco-romana), a morte era explicada através de um belo mito. Saturno (para os gregos, Júpiter para os latinos), temia o cumprimento de uma profecia: Um de seus filhos o iria destruir. Para que se não cumprisse esse agouro, ele devorava aos filhos. Assim se explicava a ação do Tempo, seu fruto sobre o homem: a mortalidade.

    Todo grande artista é ciente de haver em si o potencial de atingir a imortalidade através de sua arte - ou seja, ser lembrado posteriormente pelo fruto do seu engenho, mesmo séculos após sua partida. O poema aborda essa questão tentando demover do poeta a obsessão por perpetuar
    seu pensamento.

    Alguns detalhes interessantes:

    1) Subordinar orações (orações subordinadas) - domínio da linguagem

    2) Implorar ao Verbo (o Cristo - que venceu a morte) e ao Verso, a luta pela justa-forma

    3) Aliteração de "advém - adjetivos e advérbios". A persistência do som realçando a idéia da persistência da idéia através da palavra

    4) Tola coroa te cora - "A coroa da glória" - novamente aliteração - persistência do som realçando a ação da coroa no rosto do poeta que cora, envergonha.

    5) Irônica Coroa de Flora - A coroa de flores que ganha o defunto.

    6) A dama da foice - A morte

    7) Não serão para ti o aqui e o agora: Os dêiticos aqui e agora configuram o enunciado e a instância do discurso. Significa que o poeta não estará vivo para pronunciar ou se comunicar ou saber ou não da sua glória. De que lhe vale então?

    8) Aquiles queria a glória, mas morreu. Que vale ser lembrado? Morte é morte. No Hades se encontra (morto estão) os que se reuniam no Ágora (local grego onde vivia a filosofia e a arte)

    9) Menção à ironia do SUPERHOMEM - o ator Christopher ter ficado tetraplégico após queda de um eqüino e ter morrido ao fim.

    10) Ausência do ora no último verso para sublinhar que a glória de fato evapora, se acaba, some.

    Há ainda uma bonita consideração: O Super-Homem, herói dos quadrinhos (e do cinema) é o mito moderno do vencedor, do herói, do remidor, do poderoso que desejamos ser todos. Há uma necessidade no ser humano de heróis. Aquiles foi o Super-Homem da época antiga, como Hércules, Sansão (para os judeus), etc. A grande ironia é que nos tempos modernos a vida
    tenha escolhido pregar essa peça ao ator mundialmente conhecido como o Super-Homem e mostrado a dura realidade da fragilidade humana. E ter o ator se empenhado na pesquisa de possíveis curas para si e outros que compartilhavam do mesmo sofrimento. Prova maior que a COMPAIXÃO, ou seja, o SOFRER JUNTO, PADECER COM ALGUÉM ocorre de FATO quando ALGUÉM SOFRE. O SOFRIMENTO É A MAIOR FORÇA HUMANIZADORA. É A FORÇA QUE EMPURRA UMA TENDÊNCIA CARIDOSA, SOLIDÁRIA, LATENTE, QUE ESTÁ MORRENDO EM CADA UM DE NÓS NA MODERNIDADE DAS TREVAS QUE VIVEMOS.

    Carlos Drummond de Andrade escreveu um belo poema sobre a UNIDADE DO MUNDO: O sofrimento. Esse poema consta no seu último livro de poemas inéditos publicado: Farewell, o adeus do poeta. Que embora viva através de sua poesia, que lhe importa agora?


    UNIDADE

    As plantas sofrem como nós sofremos.
    Por que não sofreriam
    se esta é a chave da unidade do mundo?

    A flor sofre, tocada
    por mão inconsciente.
    Há uma queixa abafada
    em sua docilidade.

    A pedra é sofrimento
    paralítico, eterno.

    Não temos nós, animais,
    sequer o privilégio de sofrer.

    (Carlos Drummond de Andrade)


    Não temos nós humanos, sequer o privilégio de sofrer. O que une o mundo, o que nos une enquanto seres humanos é o sofrimento. Schopenhauer diz que a Vontade que garante a vida, traz sofrimento e portanto VIVER É SOFRER e que apenas a ÉTICA, a SOLIDARIEDADE E o amor ao próximo (E ASSIM A ANULAÇÃO GRADATIVA DA GANÂNCIA DAS VONTADES PESSOAIS SUBPOSTAS À VONTADE DA HUMANIDADE) é que trará ao SER SERENIDADE, PAZ e FELICIDADE. O ator do HERÓI DO CAPITALISMO, o SuperHomem, foi ferido para auxiliar os feridos. Feito herói de fato pelo sofrimento. Sei de muitos que teriam se entregue ao nada, sem nada terem tentado. É na dificuldade que se revela o herói.

    Weider Weise


    Segunda-feira, 24 de janeiro de 2005

    Espantalho

    Ao poeta cabe reinar,

    ............................... rimar,

    ....................................... remar mar adentro.

    Estrela oriente das gentes,

    Vênus no espelho avesso,

    prenha serpente.

    Expoente poente do escândalo

    de
    ....pendente
    ..................
    pêndulo:

    .................................Ora santo

    ....................................
    ora devasso esteio,

    ........................
    alheio

    ............ao dano

    alheio.


    Ora as orações suas com a língua nos seios,

    profeta do verbo não vindo, adivinho, festejo,
    cata-e-espalha-vento

    alastrando o espanto nos quatro cantos da mente.



    Catarse da Vontade,


    ............................
    arte do inverso

    ..................................................do adormecimento.


    Ao poeta cabe devagar

    ............................derivar,

    .....................................
    velejar no verso,

    ...........................................................no dorso

    .......................................................................
    do

    vento.


    Weider Weise


    Poema metapoético sobre a figura do Poeta, fazedor de espanto.

    CATA-E-ESPALHA-VENTO: Ezra Pound, grande poeta americano e um dos maiores críticos literários de todos os tempos certa feita escreveu que o POETA É A ANTENA DA RAÇA. Recebe e remete sinais de e para a sociedade em que vive. Esse sentido está perfeitamente representado pelo poeta que Cata o vento e o espalha.

    Catarse: Efeito causado no cérebro para proporcionar um equilíbrio. Recurso utilizado já pelos aedos (poetas gregos) para causar PAVOR, AMOR, COMOÇÃO, SURPRESA ou ALEGRIA em grande intensidade na massa espectadora.

    VONTADE: Segundo o filósofo Shopenhauer, o que nos diferencia das coisas em-si é termos a VONTADE. É ela que nos move no tempo e no espaço. Como o SER é VONTADE, então a VIDA É SOFRIMENTO. Pois a VONTADE não cessa e enquanto não saciada, machuca, a vida é dor, viver é a constância da dor. ASSIM A FELICIDADE É O ADORMECER DA DOR.

    ARTE DO INVERSO: O Poeta subverte o uso das palavras criando sentidos muitas vezes inversos (em versos).

    DO ADORMECIMENTO: Fazer a dor adormecer.

    O VERSO É AMBÍGUO e pode ser lido que o POETA LIDA COM A ARTE DE ADORMECER A DOR ou que ao contrário, o POETA COM SUA ARTE DESPERTA A INQUIETAÇÃO, A DOR.

    DEVAGAR DERIVAR: Nau a deriva, sem controle aparente, mas devagar, com prudência. Metáfora para a inspiração que guia o POETA no seu ofício.

    VELEJAR NO VERSO: É onde o poeta faz-se nau a deriva. Navegar, afinal de contas, é preciso. NO VERSO também pode ser no outro lado da folha, sentido reforçado por NO DORSO.

    NO DORSO DO VENTO: O DORSO DO VENTO é uma referência a RESULTANTE DA FORÇA do VENTO sobre as VELAS. O VENTO APARENTEMENTE EMPURRA O BARCO, mas a sensação é que ele PUXA o BARCO ADIANTE. ASSIM. No dorso do vento é como se estivesse montado no vento, nas costas do vento, no verso do vento, essas idéias se unem semanticamente através de paronomasias. Toda voz é vento. A poesia é para ser lida em voz alta.

    Haveria outras 20 considerações sobre o poema, mas deixemos o leitor se divertir um pouco.

    A beleza é a busca no mistério: o mistério esconde em si o belo.


    Weider Weise



    Segunda-feira, 17 de janeiro de 2005

    ORIENTE (-SE)

    A cultura oriental tem ampla tradição na aplicação da arte como instrumento de educação e reflexão.

    Isso é bem observado no poema dessa semana, um haicai do poeta medieval Kobayashi Issa.

    Ei-lo numa possível tradução:

    Chuva de primavera –

    Uma criança

    Ensina o gato a dançar

    Haicai é um estilo de poesia de origem japonesa, de linguagem comum e poucos versos.

    O Haicai apresenta geralmente uma cena cotidiana, que se torna alegoria para ensinamentos e impressões de grandiosas visões de mundo.

    É o simples expondo o complexo, o pequeno contendo o grande.

    Nesse poema, o poeta fotografa uma criança que ensina seu gato a dançar, sob uma chuva de primavera.

    Tomemos os símbolos e tentemos compreendê-los semioticamente:

    Do sema relativo à VIDA:

    v Chuva de primavera é a chuva do renovo da vida, da continuação.

    v A criança é a própria continuação da vida.

    v O gato é a vida observada viva, devido à sua agilidade. (Se costuma dizer que o gato tem sete vidas).

    Do sema relativo à EXPERIÊNCIA:

    v A criança é inocente, inexperiente, está em processo de aprendizado, ainda não tem muita agilidade.

    v O gato é conhecidamente ágil. É astuto e experto.

    Temos então dois elementos antagônicos no poema:

    v O inexperiente (a criança)

    v O experto (o gato)

    No poema, o inexperiente ensina o experiente uma lição: dançar.

    Essa cena se torna então metáfora da grande lição da vida:

    Todos podem aprender algo. Todos podem ensinar algo.

    Mesmo ao mais experto haverá sempre algo novo que possa ser aprendido com uma criança, com alguém com menor experiência.

    Ou seja, ninguém sabe tudo:

    O reconhecimento dessa verdade é o primeiro passo em busca da verdade.

    Como disse o grande filósofo Sócrates (através de Platão):

    “Tudo que sei é que nada sei”.

    Weider Weise

    Observação:

    1) Lê-se: “harusame ya neko ni odori o oshieru ko”.

    2) “Experto” não está grafado errado. Significa “experiente”.


    Segunda-feira, 10 de janeiro de 2005



    tsunami


    O monstro sem mênstruo menstrua

    E a onda outeiro ao navio

    na vaga navega o estaleiro

    Weider Weise


    Tsunami: Vem do japonês e quer dizer “Onda Estaleiro”.

    É o nome das ondas que são formadas por maremotos, abalos sísmicos, etc, como a ocorrida há pouco na Indonésia. Escrevemos esse poema, comovidos por essa tragédia.

    A fragilidade da vida é topoi (lugar comum) da produção literária de todas as épocas.

    A catarsis ocorrida quando a morte é enfrentada na ficção é intensificada quando a ameaça de morte é marítima, dada a grandeza do paradigma do mar: O mar possui efeito assustador e fascinante, pois é o mar ao mesmo tempo fonte de alimentos, de riqueza, fonte de vasta flora e fauna, urdidor das mais longínquas nações e o mais imprevisível e arrebatador elemento do planeta.

    Desde os poemas épicos (tanto na Ilíada como na Odisséia há episódios em que o herói enfrenta o mar revolto e sobrevive), na bíblia (O Dilúvio de Noé, Jonas e a baleia, a travessia do mar revolto que Jesus fez acalmar, o naufrágio de Paulo, etc). O mar é a metáfora da imprevisibilidade da única certeza da vida: a morte. Sabemos que morreremos, mas não quando. Imprevisível como o mar.

    Nesse poema, explicamos a formação do tsunami.

    O monstro é uma alusão aos monstros japoneses que vêm do mar, tipo Godzilla.

    O monstro sem mênstruo menstrua é uma alusão à erupção vulcânica, a montanha derretida que explode, gerando o desequilíbrio. Mênstruo quer dizer regra. Não há regra, não se sabe quando haverá terremoto, as ações vulcânicas são imprevisíveis como a morte o é. Mais uma alusão à imprevisibilidade da única certeza da vida: a morte.

    Após a explosão, se forma uma onda do tamanho de um outeiro (montanha) que faz o estaleiro ir até o barco.

    Aqui duas idéias: A primeira que o estaleiro é o cemitério, é o fim da vida (talvez para um novo começo, como em algumas culturas e crenças), como é o estaleiro. Segundo que não é o barco que vai ao estaleiro, mas a onda que leva o estaleiro ao barco. Dando uma idéia da violência da onda. A ordem inversa dos elementos da frase é para ressaltar esse sentido e o da bagunça que se forma no revolver das águas furiosas do tsunami. O estaleiro fica no costa do mar, região que é destruída na ação do tsunami.

    Uma brincadeira artística: na vaga navega o estaleiro. Vaga quer dizer onda e o som repetitivo forma o efeito visual e sonoro da onda. E é uma paronomásia da tradução de tsunami – “onda estaleiro” ou “vaga estaleiro”.

    Perceba que o ritmo do segundo e do terceiro versos formam uma alusão ao movimento do tsunami e a sua extensão.

    O navio é a metáfora da vida. Pode flutuar por um tempo, mas um dia (não se pode saber quando) afunda.

    Weider Weise