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Segunda-feira, 20 de dezembro de 2004
A l e x i t i m i a
O corpo espremido se exprime no corpo e desaba Nada desata os nós enormes que se formam Quando as palavras
.....................................em nós
..................................................se calam
Weider Weise
Esse poema trata, como diz o título, da Alexitimia.
Alexitimia é uma pequena anormalia psicológica que acomete mais de 30% da população onde o ser não consegue expressar seu sentimento através de palavras. É quando a força do que se sente é tão real e intensa que se manifesta psíquica e fisicamente através de paúra, ansiedade, medo, tesão, angústia (como cousas da mente) e suor, tremedeira, choro, lacrimejar, taquicardia (através do corpo). O sujeito não consegue verbalizar o que sente e se calando as palavras, semelhante a uma comporta de muitas águas, o sentimento extravaza em choro, dor, enfim, sabe, sente, percebe, reconhece real o que lhe aflige, lhe desequilibra, mas não encontra as palavras para expressar e assim aliviar-se da dor.
O poema brinca com três coisas:
1) O som "espremido" (comprimido, apertado) e "exprime" (exibe, mostra) o corpo quando apertado por sentimentos fortes exprime esse aperto, essa dor, através do próprio corpo, na forma de choro, suor, tremedeira, etc.
2) O som de desaba e desata, sendo que "desaba" fica no fim do primeiro verso, verso que possui um ritmo que acaba abrupto e cujo som continua em partes em "nada desata". Como em um desabamento, a terra caindo sobre si, assim se expressa o som.
3) "Nós" como nó, tropeço, emaranhado e "nós" como terceira pessoa do plural. E as duas idéias juntas em "em nós" que pode ser "na gente" como "em muitos nós".
O poema trata do poder da palavra. A psicoterapia nada mais é do que o processo pelo qual o indivíduo, devidamente auxiliado, materializa em palavras as suas angústias, seus complexos, os seus nós. E verbalizando o nó, o nó se afrouxa até, demorada mas frequentemente, desfazer-se. Não à toa, Freud começou os seus estudos como lingüista. A linguagem e a subjetividade são indissociáveis.
"É na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito"
escreveu Émile Benveniste no famoso e um dos mais belos textos sobre o tema: "De Linguística Geral I - Capítulo 21 - da subjetividade na linguagem".
Se essa enorme porcentagem da população não consegue usar a ferramenta da expressão verbal, no outro lado da balança, há uma outra pequeníssima parcela que é anormal (fora da norma, fora da média, fora do comum) justamente por conseguir expressar-se competentemente o que deveras sente (ou não). O poeta tem uma mais desenvolvida competência linguística (citando Noam Chomsky, grande lingüista americano, um dos maiores pensadores vivos, professor de Harvard) que lhe permite um desempenho poético e linguístico superior aos demais.
Quase sempre é uma capacidade nata, vide os repentistas nordestinos que com pouco ou nenhum estudo, são capazes de formular construções poéticas criativas elaboradas em segundos. Mas não podemos confundir o que o poema diz do que o poeta sente. Nem todo o poema, como nem toda a arte, nasce do que sente o poeta e sim do que imagina. É do imaginário, ou seja, o local onde as imagens se formam, se guardam, se combinam que o poeta através das palavras materializa sua obra de arte. A eterna briga da emoção (inspiração - fruto da vivência, do inesperado, da inteligência íntima, íntima visão de mundo do poeta) versus a razão (a técnica, o raciocínio, a gramática, o estudo, a imitação mimética, a adequação à forma). Entre essas duas forças que se comprimem que do poeta brotam versos. "O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração." (Fernando Pessoa) Em resumo: Enquanto os que sofrem de ALEXITIMIA não conseguem expressar o que de fato sentem, o poeta consegue expressar o que sente e também aquilo que não sente de fato, mas, imaginando, no ato, sente (e se sente). Weider Weise
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