COLUNAS:


por Weider Weise



por Thiago Andrada



por Andréa Martins



por Wilton Carvalho



por Rodrigo Leme




ARQUIVOS:

  • novembro 2004
  • dezembro 2004
  • janeiro 2005
  • fevereiro 2005
  • março 2005
  • maio 2005
  • junho 2005
  • julho 2005
  • agosto 2005
  • fevereiro 2006







  • Segunda-feira, 28 de fevereiro de 2005

    Só para raros: “O lobo e a navalha”

    É um poema escrito em homenagem ao “Lobo da Estepe” (Der Steppenwolf) do alemão Herman Hesse (ganhardor do prêmio Nobel de Literatura). Obra prima muito à frente do seu tempo, verdadeiro clássico da literatura mundial foi declarado por Thomas Mann de ser esse Hesse tão brilhante quanto o “Ulisses” de Joyce.

    Se o livro é para poucos, imagine um poema sobre o livro.

    Quem ainda não teve a oportunidade de ler o livro, não o faça. Ele é genial demais e por isso subverte as estruturas psíquicas do leitor. Ninguém consegue sair dessa leitura inócuo. Mas se a tua curiosidade do mundo e das artes for acima da média, fora de medidas, então leia-o. Devore-o. Releia. As múltiplas camadas do livro e a elaborada arquitetura E principalmente o privilégio de um poeta como o Herman tê-lo escrito em prosa, fazem dessa leitura uma viagem única dentro de nós mesmos.

    Eis o poema:

    O lobo e a navalha


    I
    O lobo que trago de estepe atraca-se às grades da tez.
    Atrai-me e me traga na espreita,
    me prega no amargo,
    na febre,
    nas presas estreitas que mordem
    a ordem perfeita.

    II
    Esse lobo de Hesse é o assombro,
    É o dolo sem dó é o embargo.

    É o instante implicante do estrondo.
    A boca ocasionando o rasgo.

    O uivo do lobo,
    cativo no globo da mente,
    é a adaga dormente que ruge,
    é a chaga, o logotipo que surge
    e logo se apaga.

    III
    O lobo é o canalha
    Que atrapalha minha vida asceta.

    Se incide sagaz contra minha saga,
    Na idade do lobo o lobo desperta.
    Tem essa fome urgente da navalha
    A navalha que me roça a pele
    a luminosa lâmina
    que à alma e ao ânimo encara
    que sem ferir já fere

    O lobo assusta aos outros
    se mostra fantasma, me rasga, me afasta

    Corre atrás de mim
    e eu entro pelas portas
    tortas da aorta

    O lobo ri e grita
    "se mata".


    IV
    Entro pela porta estreita
    entre o cômico e o trágico
    o palco do Teatro Mágico
    só para loucos
    só para poucos

    e por um pouco
    e por sorte
    encontro o pote
    com elas, com ele, com nós

    e a música sonata
    que jaz no jazz
    desata os laços dos pés
    e ela me ensina a dançar
    entre a musa, a música e o músico

    e após
    a sós
    no teatro mágico
    vemos a ingrata vida
    em peças de xadrez
    grata ao ópio, ao pó ímpio, aos prêmios de baco:
    vinho, riso e tabaco.


    V

    A navalha na mão brilha
    quer que eu rasgue a garganta
    apague a chama que à alma aquece.

    E tudo se esclarece num repente:

    Não sou um homem nem um lobo

    Sou um pouco de cada fogo que
    Sob o corpo me aquece

    Um instante antes da manhã
    Visito-me no espelho
    Sou ainda o jovem
    Sou ainda o velho
    A navalha na mão amanhece


    Então eu raspo do rosto
    os pelos do lobo
    que dentro de mim cresce

    Quem não ri de si de si se esquece

    Weider Weise

    Segunda-feira, 21 de fvereiro de 2005


    Uspício


    Sair é tão difícil
    Quando se está dentro
    Quando se goza do título

    Três letras que aumentam
    O tamanho das letras
    Do teu curriculum

    As pessoas te observam
    Com ar de reverência
    Tornam-te um ser olímpico

    Mas você é de carne e osso
    É só outro tipo de louco
    O templo é apenas outro hospício


    Weider Weise

    Segunda-feira, 14 de fevereiro de 2005


    Prêmio



    I

    Ela sorri e pisca.

    Doze anos ele tinha quando a viu
    e se lhe plantou o que Platão lhe explicaria depois de 2 mil anos atrás.



    O sino batia forte e seu vovô lhe gritava:
    - Mais alta a torre da igreja, maior a ignorância do povo.



    II

    Seu nome lhe doía invisível e ele cravou-o na mobília da escola
    na casca do cedro,

    no antebraço

    Ela lhe ensinou que o moderno era amar a todos
    Tão moderno fez-se o moço que até seu carro era bi.



    III

    Vovô implicava que Lutero era adúltero

    Replicava Vovó protestante:

    .........................- Ao menos era hetero.



    Alheio a teologia ele (a) estudava
    Nas cartas, nos astros, nos livros
    Via-a refletida, de cor sabia suas medidas,

    nos arcos, nas telas, na lira.



    Na escola ela estancava o tempo para lhe piscar


    IV

    O menino cresce e vira guardador de dados de um banco estrangeiro.
    Toda noite em casa guarda no armário a coragem e aguarda,
    vê-se como o apanhador num campo de centeio

    espera no vazio do mundo, novos mundos,

    alheios, como todo mundo, de que o ar lhe falta.



    V

    O amor sem nome é enorme nele

    Ela não se importa, parece, com ele:
    Diz que há muito mundo escondido

    No lado de fora da porta

    Ela sorri e pisca

    Ele a assiste desfilar com outros homens
    E isso não lhe dói
    Pois vingativo se deita com metade da faculdade
    a metade, metade que ela também faz

    A metade mais bonita
    Faz meninas, meninos, professores

    Ela se diverte com isso

    Ele não



    O que lhe dói

    É não poder amar alguém que não a vadia



    Ele é um enorme vão de escada

    o vazio inteiro da gaveta aberta
    a tela em branco do computador

    e percebe um dia que as mãos no teclado

    revelam no braço tatuado o nome dela


    VI

    Colorido feito armadilha

    o a m o r t e c i d o n o e s c u r o n o f u n d o b r i l h a



    Quer dela se vingar

    Quer matá-la
    Quer humilhá-la
    Quer possuí-la

    Quer abandoná-la

    Esquecê-la, somente, talvez.


    ................Na velocidade da vida que lhe assalta
    ................Ele aprende a escrever



    VI

    Ela sorri e pisca

    Os encostamentos da estrada combinam um encontro no infinito
    Mas a mesma força que afasta o espaço prolonga o tempo

    Feito um v inverso
    Feito um v sem vértice
    Feito as duas pernas dela que lhe puxam e fogem
    ............O triângulo EFG nunca se completa
    ............Nunca ele chega ao último ponto



    VII

    Ele aprendeu a sorrir de si
    Aprendeu a dar prazer ao corpo
    Aprendeu a não negar vontades

    Aprendeu a esquecer para seguir
    E cada novo conhecimento lhe pesa
    E cada novo sistema de mundo lhe afunda
    E cada novo filósofo, poeta, profeta lhe apertam

    Cada novo mistério lhe afasta e isolado do mundo
    Ele arrependeu-se de aprender




    VIII

    Ele viaja a trabalho por anos
    Depois viaja por anos fugindo do trabalho
    O mundo nem parece tão grande agora
    Ásia, áfrica, américa,
    letras dançando na boca
    adesivos na mala

    conchas

    A camisa amarela amuleto
    Passaporte, poster, postal do país
    .............- As pessoas no mundo lhe dizem: Pelé, Ronaldo, Kaká
    Mas que lhe dizem esses nomes?

    Ele é um pedaço da sua terra
    E da sua terra lhe falta um pedaço

    Quando retorna, compra um flat no jardins e dorme caçando estrelas no
    céu concreto de sampa



    IX

    Ela liga um dia
    Do nada
    Chora horas implora que ele não desligue
    E ele não desliga
    Ouve, recorda, esquece

    Ele simplesmente não liga

    Ela sumirá assim que a brisa passar

    X

    Escreve ele um livro lindo contando um romance
    Ganha prêmios
    Vira filme
    Assiste-se a si na tela
    Faz dela uma piranha
    Faz dela uma assassina
    Faz dela uma sapata



    Ela sorri e pisca na tela e morre estrangulada



    Ele decide que poderia morrer feliz
    Mas não morre



    XI

    Morre o avô, o prefeito
    e ela está lá

    O velho gostava tanto da moça
    que o tonto do neto adorava

    que o velho lhe deu um anel
    quando ela fez quinze anos



    Foi na noite que ele descobriu

    que ela era louca

    que não daria para ele

    porque o amava demais



    Vaca



    O cemitério está lotado
    A vida corre mais rápido que a morte

    Ele chora e ela lhe abraça

    E lhe abraça

    E lhe abraça

    E chora e desaba
    E ele a ampara e repara que ela não tem asas
    que ela não brilha
    que ela tem marcas na testa
    e já na boca algumas linhas
    Ele percebe que finalmente

    Ela foi expulso do olimpo, do éden, do l'ouvre.



    E almoçam
    E passeiam
    E conversam por três horas

    E tiram uma foto instantânea
    E se remoçam, giram o mundo ao contrário
    E são de novo adolescentes
    E se lhe apodera miraculosamente eros

    (que se conservara vivo por um milagre egoísta)

    E os dois deitados no parque assistem de novo um mundo inteiro para ser
    mudado
    E ele se esquece por quase um minuto que não será feliz depois
    Que acredita que não será feliz depois.


    O sol cobra seu repouso e some

    Ela sorri e pisca
    E ele lhe segue assim que ela evapora

    E o dia acaba como cabe aos dias,

    mas se vai doído

    ..................Era um dia perfeito



    XII

    Dois anos depois, ele com trinta
    Ela ainda tem algumas questões com o passado
    Ele já nem espera o futuro

    Ela dá-se a muitos por muito pouco tempo
    Ele parou de colocá-los numa lista
    Havia 98 nomes até então.

    Não quis saber quem seria o centésimo.



    No atelier
    Sem lembrar do mundo

    Ele escreve quatro romances escondido das quatro estações
    Ganha um prêmio nobel.





    XIII



    Ela desenha uma casa
    E é premiada

    Ele lê a manchete e desliga o telefone

    Ela dá uma entrevista na televisão

    Fala da infância

    Da madrasta bruxa que lhe amaldiçoou
    Que amava o velho, o avô do menino
    Que fora pelo prefeito amada
    Mas que não era prudente revelar-se
    E inconformada com o amor escondido
    A bruxa lhe amaldiçou o neto

    E disse que o menino morreria no dia em que ela a ele se desse
    Mas quem é esse homem, lhe indaga a apresentadora?
    Ela sorri e pisca





    XIV

    Ele faz terapia
    Ao lado de onde ela faz yoga
    Mas somente hoje se encontram


    De fugir dele

    ela se cansa
    E se casam


    Eles se avistam
    Eles se escostam
    Eles se beijam como não faziam há 15 anos



    E ela lhe diz que o seguiu todo esse tempo
    Que lhe desejou
    Que lhe quis

    Que fez de tudo para que ele a esquecesse
    Que lhe magoou

    Que lhe feriu
    Que teria feito tudo de novo se fosse preciso
    Mas que estava aborrecida de fugir

    Que lhe queria

    Que lhe amava
    Que lhe tinha sempre e de fato amado



    E no leito, do jeito que ele sonhou e esperou
    que ele dentro dela explode todo o amor retido
    Com tanta força que o coração explode
    E ele morre com um sorriso
    E num centésimo antes de sumir

    lhe ocorre a vontade de saber se ele foi o centésimo.