Segunda-feira, 14 de fevereiro de 2005
PrêmioI
Ela sorri e pisca.
Doze anos ele tinha quando a viu
e se lhe plantou o que Platão lhe explicaria depois de 2 mil anos atrás.
O sino batia forte e seu vovô lhe gritava:
- Mais alta a torre da igreja, maior a ignorância do povo.
II
Seu nome lhe doía invisível e ele cravou-o na mobília da escola
na casca do cedro,
no antebraço
Ela lhe ensinou que o moderno era amar a todos
Tão moderno fez-se o moço que até seu carro era bi.
III
Vovô implicava que Lutero era adúltero
Replicava Vovó protestante:
.........................- Ao menos era hetero.
Alheio a teologia ele (a) estudava
Nas cartas, nos astros, nos livros
Via-a refletida, de cor sabia suas medidas,
nos arcos, nas telas, na lira.
Na escola ela estancava o tempo para lhe piscar
IV
O menino cresce e vira guardador de dados de um banco estrangeiro.
Toda noite em casa guarda no armário a coragem e aguarda,
vê-se como o apanhador num campo de centeio
espera no vazio do mundo, novos mundos,
alheios, como todo mundo, de que o ar lhe falta.
V
O amor sem nome é enorme nele
Ela não se importa, parece, com ele:
Diz que há muito mundo escondido
No lado de fora da porta
Ela sorri e pisca
Ele a assiste desfilar com outros homens
E isso não lhe dói
Pois vingativo se deita com metade da faculdade
a metade, metade que ela também faz
A metade mais bonita
Faz meninas, meninos, professores
Ela se diverte com isso
Ele não
O que lhe dói
É não poder amar alguém que não a vadia
Ele é um enorme vão de escada
o vazio inteiro da gaveta aberta
a tela em branco do computador
e percebe um dia que as mãos no teclado
revelam no braço tatuado o nome dela
VI
Colorido feito armadilha
o a m o r t e c i d o n o e s c u r o n o f u n d o b r i l h a
Quer dela se vingar
Quer matá-la
Quer humilhá-la
Quer possuí-la
Quer abandoná-la
Esquecê-la, somente, talvez.
................Na velocidade da vida que lhe assalta
................Ele aprende a escrever
VI
Ela sorri e pisca
Os encostamentos da estrada combinam um encontro no infinito
Mas a mesma força que afasta o espaço prolonga o tempo
Feito um v inverso
Feito um v sem vértice
Feito as duas pernas dela que lhe puxam e fogem
............O triângulo EFG nunca se completa
............Nunca ele chega ao último ponto
VII
Ele aprendeu a sorrir de si
Aprendeu a dar prazer ao corpo
Aprendeu a não negar vontades
Aprendeu a esquecer para seguir
E cada novo conhecimento lhe pesa
E cada novo sistema de mundo lhe afunda
E cada novo filósofo, poeta, profeta lhe apertam
Cada novo mistério lhe afasta e isolado do mundo
Ele arrependeu-se de aprender
VIII
Ele viaja a trabalho por anos
Depois viaja por anos fugindo do trabalho
O mundo nem parece tão grande agora
Ásia, áfrica, américa,
letras dançando na boca
adesivos na mala
conchas
A camisa amarela amuleto
Passaporte, poster, postal do país
.............- As pessoas no mundo lhe dizem: Pelé, Ronaldo, Kaká
Mas que lhe dizem esses nomes?
Ele é um pedaço da sua terra
E da sua terra lhe falta um pedaço
Quando retorna, compra um flat no jardins e dorme caçando estrelas no
céu concreto de sampa
IX
Ela liga um dia
Do nada
Chora horas implora que ele não desligue
E ele não desliga
Ouve, recorda, esquece
Ele simplesmente não liga
Ela sumirá assim que a brisa passar
X
Escreve ele um livro lindo contando um romance
Ganha prêmios
Vira filme
Assiste-se a si na tela
Faz dela uma piranha
Faz dela uma assassina
Faz dela uma sapata
Ela sorri e pisca na tela e morre estrangulada
Ele decide que poderia morrer feliz
Mas não morre
XI
Morre o avô, o prefeito
e ela está lá
O velho gostava tanto da moça
que o tonto do neto adorava
que o velho lhe deu um anel
quando ela fez quinze anos
Foi na noite que ele descobriu
que ela era louca
que não daria para ele
porque o amava demais
Vaca
O cemitério está lotado
A vida corre mais rápido que a morte
Ele chora e ela lhe abraça
E lhe abraça
E lhe abraça
E chora e desaba
E ele a ampara e repara que ela não tem asas
que ela não brilha
que ela tem marcas na testa
e já na boca algumas linhas
Ele percebe que finalmente
Ela foi expulso do olimpo, do éden, do l'ouvre.
E almoçam
E passeiam
E conversam por três horas
E tiram uma foto instantânea
E se remoçam, giram o mundo ao contrário
E são de novo adolescentes
E se lhe apodera miraculosamente eros
(que se conservara vivo por um milagre egoísta)
E os dois deitados no parque assistem de novo um mundo inteiro para ser
mudado
E ele se esquece por quase um minuto que não será feliz depois
Que acredita que não será feliz depois.
O sol cobra seu repouso e some
Ela sorri e pisca
E ele lhe segue assim que ela evapora
E o dia acaba como cabe aos dias,
mas se vai doído
..................Era um dia perfeito
XII
Dois anos depois, ele com trinta
Ela ainda tem algumas questões com o passado
Ele já nem espera o futuro
Ela dá-se a muitos por muito pouco tempo
Ele parou de colocá-los numa lista
Havia 98 nomes até então.
Não quis saber quem seria o centésimo.
No atelier
Sem lembrar do mundo
Ele escreve quatro romances escondido das quatro estações
Ganha um prêmio nobel.
XIII
Ela desenha uma casa
E é premiada
Ele lê a manchete e desliga o telefone
Ela dá uma entrevista na televisão
Fala da infância
Da madrasta bruxa que lhe amaldiçoou
Que amava o velho, o avô do menino
Que fora pelo prefeito amada
Mas que não era prudente revelar-se
E inconformada com o amor escondido
A bruxa lhe amaldiçou o neto
E disse que o menino morreria no dia em que ela a ele se desse
Mas quem é esse homem, lhe indaga a apresentadora?
Ela sorri e pisca
XIV
Ele faz terapia
Ao lado de onde ela faz yoga
Mas somente hoje se encontram
De fugir dele
ela se cansa
E se casam
Eles se avistam
Eles se escostam
Eles se beijam como não faziam há 15 anos
E ela lhe diz que o seguiu todo esse tempo
Que lhe desejou
Que lhe quis
Que fez de tudo para que ele a esquecesse
Que lhe magoou
Que lhe feriu
Que teria feito tudo de novo se fosse preciso
Mas que estava aborrecida de fugir
Que lhe queria
Que lhe amava
Que lhe tinha sempre e de fato amado
E no leito, do jeito que ele sonhou e esperou
que ele dentro dela explode todo o amor retido
Com tanta força que o coração explode
E ele morre com um sorriso
E num centésimo antes de sumir
lhe ocorre a vontade de saber se ele foi o centésimo.