Só para raros: “O lobo e a navalha”
É um poema escrito em homenagem ao “Lobo da Estepe” (Der Steppenwolf) do alemão Herman Hesse (ganhardor do prêmio Nobel de Literatura). Obra prima muito à frente do seu tempo, verdadeiro clássico da literatura mundial foi declarado por Thomas Mann de ser esse Hesse tão brilhante quanto o “Ulisses” de Joyce.
Se o livro é para poucos, imagine um poema sobre o livro.
Quem ainda não teve a oportunidade de ler o livro, não o faça. Ele é genial demais e por isso subverte as estruturas psíquicas do leitor. Ninguém consegue sair dessa leitura inócuo. Mas se a tua curiosidade do mundo e das artes for acima da média, fora de medidas, então leia-o. Devore-o. Releia. As múltiplas camadas do livro e a elaborada arquitetura E principalmente o privilégio de um poeta como o Herman tê-lo escrito em prosa, fazem dessa leitura uma viagem única dentro de nós mesmos.
Eis o poema:
O lobo e a navalha
I
O lobo que trago de estepe atraca-se às grades da tez.
Atrai-me e me traga na espreita,
me prega no amargo,
na febre,
nas presas estreitas que mordem
a ordem perfeita.
II
Esse lobo de Hesse é o assombro,
É o dolo sem dó é o embargo.
É o instante implicante do estrondo.
A boca ocasionando o rasgo.
O uivo do lobo,
cativo no globo da mente,
é a adaga dormente que ruge,
é a chaga, o logotipo que surge
e logo se apaga.
III
O lobo é o canalha
Que atrapalha minha vida asceta.
Se incide sagaz contra minha saga,
Na idade do lobo o lobo desperta.
Tem essa fome urgente da navalha
A navalha que me roça a pele
a luminosa lâmina
que à alma e ao ânimo encara
que sem ferir já fere
O lobo assusta aos outros
se mostra fantasma, me rasga, me afasta
Corre atrás de mim
e eu entro pelas portas
tortas da aorta
O lobo ri e grita
"se mata".
IV
Entro pela porta estreita
entre o cômico e o trágico
o palco do Teatro Mágico
só para loucos
só para poucos
só
e por um pouco
e por sorte
encontro o pote
com elas, com ele, com nós
e a música sonata
que jaz no jazz
desata os laços dos pés
e ela me ensina a dançar
entre a musa, a música e o músico
e após
a sós
no teatro mágico
vemos a ingrata vida
em peças de xadrez
grata ao ópio, ao pó ímpio, aos prêmios de baco:
vinho, riso e tabaco.
V
A navalha na mão brilha
quer que eu rasgue a garganta
apague a chama que à alma aquece.
E tudo se esclarece num repente:
Não sou um homem nem um lobo
Sou um pouco de cada fogo que
Sob o corpo me aquece
Um instante antes da manhã
Visito-me no espelho
Sou ainda o jovem
Sou ainda o velho
A navalha na mão amanhece
Então eu raspo do rosto
os pelos do lobo
que dentro de mim cresce
Quem não ri de si de si se esquece
Weider Weise
