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  • Segunda-feira, 27 de junho de 2005


    Geopolítica


    Enquanto o urso e a águia ensaiavam
    A batalha
    Do lado de lá da muralha
    De pauzinho
    Pelas beiradas
    Armou-se
    O formigueiro.

    Há de mandar em você e mim
    O mandarim.



    Weider Weise


    ******

    Um poema sobre a dinâmica imperialista do mundo.

    Mostra o espanto de perceber que após anos de guerra fria (EUA a grande águia, versos a Ex-URSS, o grande urso) o conflito findou com um anticlimax, tanta expectativa frustrada (ainda bem) no desmantelamento do império Russo.

    E enquanto éramos bombardeados pelo medo capitalista ianque dos monstros de vermelho, do lado de lá da muralha, a China, como quem não quer nada, comendo pelas beiradas, de pauzinho, armou-se militarmente e intelectualmente. Hoje é uma potência militar e principalmente econômica, sendo um dos maiores mercados importadores e principalmente exportadora, dado ao envilecimento da mão de obra (quase escrava, quase formigas humanas).

    A graça com que o eu-lírico aborda assunto tão importante e denso, mostrando a falta de visão real dos ianques, usando símbolos de animais para mostrar que no fundo, pessoas que guerreiam não passam de animais quase irracionais e a loucura da velocidade da globalização nos pegando de surpresa e sua importância. Mostra também a força da resistência escondida e da surpresa do surgimento de um novo elemento, tal qual nos surpreendemos quando surge no jardim, do nada, em dias, um formigueiro. Quando percebemos, já está lá.

    Poetas, políticos, pensadores, empresários: Aprendam o Mandarim.

    Considero este um dos melhores poemas do livro MADRIGAIS.


    Segunda-feira, 20 de junho de 2005


    Equilíbrio


    É ser livre da queda
    É o ser livre da perda
    Neve eterna nos alpes
    Nas nuvens do lago



    -

    Segunda-feira, 13 de junho de 2005

    Copas do mundo

    Lembro que chorei em 86, quando perdemos, nas semifinais, para a França.
    Tinha dez anos.
    Assistia ao jogo na casa da minha avó
    Meus pais foram para o México.
    Acreditavam que me divertiria mais se ficasse.
    Acho que o Brasil já começava a perder naquele instante.

    Meu pai sempre fora fanático por futebol e me transmitira isso de alguma forma, junto aos genes de calvície e colesterol alto. Minha mãe odiava futebol, mas adorava festas e viagens - aquela Oba-Oba dos pré e pós-jogos, as bandeirinhas, o pula-pula, a farra organizada em verde amarelo.

    Separados na geografia, unidos na atenção sobre a bola.

    E no girar do relógio com a bola, apesar dos meus gritos e desespero sincero, a mágica se deu no país de Paris. A bola bateu na trave e nas costas do goleiro marcando um inédito gol de pênalti. O Brasil não seria mais campeão.

    Chorei.

    Chorei muito em 86.

    E me doía mais imaginar como deveria estar sendo triste para meu pai que só pude rever dias depois, quando retornou todo bronzeado, feliz da vida, de sua viagem com mamãe.

    Quando lhe perguntei sobre o jogo ele me respondeu "Que jogo?". "Do Brasil com a França, pai". "E o que é que tem? A gente mora num país de merda que se vende mesmo. A culpa é daquele desgraçado do Ricardo Teixeira, cartola de merda que fica vendendo o país pro estrangeiro". Confesso que não entendi muito bem essa fúria do meu pai contra a cartola do seu Ricardo Teixeira, fosse ele quem fosse.

    Nas últimas horas daquele ano, meu pai enfartou (felizmente não fulminante), jogando futebol na festa de reveillon. Tinha certeza na época de que além das idas diárias aos rodízios e dos quilos e quilos de queijos derretidos, entupiu-lhe as veias muito mais, mais essa decepção.

    Creio serem as copas feitas de quatro em quatro anos para que as feridas se cicatrizem.

    Em 1994, embriagado pela global ação das ondas televisivas e da euforia da vizinhança e, sobretudo do meu pai que, embora advertido pelo médico que não participasse daquela tensão de copa, não cansava de repetir "Dessa vez vai. O baixinho vai acabar com esses desgraçados", nada pude fazer senão dar à copa uma chance. Claro que o fiz com alguma ressalva: Sem poder jamais esquecer a tarde na casa da minha avó, onde chorei sozinho a derrota contra a França, tive tanto medo de me decepcionar novamente, ou de ter um enfarte como meu pai, que assisti a todos os jogos daquela copa menos um: Brasil contra Itália. Parecia ser um sonho enquanto soube, pelos gritos do meu pai orquestrando a grita de toda a vizinhança, de uma nação, de que o Brasil, após 20 anos de desempregos, miséria, dívida e dúvida externa, ditadura e corrupção, era novamente o campeão do mundo.

    Hoje, por mais que assista ao videoteipe daquele jogo, carrego a pontinha doída de saber que me faltou a coragem naquele instante de me entregar à roda da fortuna e de me deixar levar na explosão da peripécia do inesperado, no girar do globo da sorte, na catarse explosiva da vitória do desejado contra o destino. Perdi o instante que, mesmo preso na fita, não é o mesmo, pois recusei que fosse preso em mim, no meu entupido de medo coração.

    Quatro anos depois, levamos para França um time imbatível. Os melhores do mundo vestindo a clássica amarelinha. Só perderíamos aquela copa se acontecesse uma mágica. E foi com esse sentimento de enfrentar de peito aberto o desconhecido que assisti a final de 98 do Brasil contra
    a mesma França.

    Levei um petardo direto no peito. Perdemos feio. E ninguém me tira a certeza de que alguém ganhou bonito para que novamente a mágica se desse contra o país do futebol. Houve um fenômeno inexplicável que fez com que o Fenômeno, inexplicavelmente, desaprendesse por instantes a jogar. Foi nesse dia que eu aprendi por que papai chamava os políticos do futebol de Cartolas. Para o Brasil perder, basta jogar dinheiro dentro da cartola, que a mágica acontece.




    Weider Weise, que teve tanta bronca da França, que para se aliviar, hoje faz bacharelado em Letras Francesas na USP, apenas para poder xingar aos franceses sem legendas.



    Segunda-feira, 06 de junho de 2005


    Atração

    No inverno
    Aves de todo mundo migram
    Atraídas para a parada
    Movimentada
    Na Avenida Paulista

    Arcos-íris de borracha esticam-se
    Contra o gris do casulo:
    Coloridas fantasias in
    .......................vestem-se contra o rígido concreto.

    Carros entopem a avenida
    Aorta da cidade
    Tanta alegria junto que causa
    A parada
    Cardíaca
    A cidade em silêncio se orgulha junto
    (Se é pra ser, que seja com orgulho e maior que os americanos)

    Baco comovido
    Ri como o diabo
    Da biodiversidade do Homo sapiens
    Exposta como diversão de zoológico:
    Tem bexiga,
    Algodão-doce,
    Maçã do amor,
    Namorados,
    Vovó...
    Olhe só:
    Meninos de mãos dadas
    Aos pais
    Levando cata-ventos.

    Famílias inteiras atentas
    Ao vôo exótico de dois milhões de borboletas
    Esquecendo-se que são vermes
    Diante da casa das rosas

    ...............................Sexual
    ................Atração
    Turística


    ********


    Um poema sobre a Parada Gay realizada em São Paulo em 2005, tornando-se a maior do(s sem) gênero(s). Algumas coisas nos chamaram a atenção. Primeiro o nome: Parada. O curioso é que a "parada" (sem movimento, estagnada) pelas fotos e reportagens foi bem movimentada - Dois milhões de pessoas compareceram.

    O poema brinca com o fato de ser inverno e no inverno as aves migram para onde seja verão/primavera. Aqui se deu um efeito migratório contrário. É no inverno que os seres alados chegaram em São Paulo. Aproxima, porém, da idéia semiótica de haver cores, flores,
    borboletas, etc - uma verdadeira primavera no meio do inverno paulista.

    "Arco-Íris de borracha/contra o gris do casulo" são as bexigas coloridas formando arcos na avenida contra o cinza dos prédios, comparados ao casulo - lugar oprimido, sem cores, onde a transformação se dá. Complementa a estrofe os versos:

    "Coloridas fantasias in
    ......................................vestem-se contra o rígido concreto"

    Fantasias pode ser sonhos ou roupas de vestir. Coloridas faz lembrar "amizades coloridas" termo pejorativo de relacionamentos diferentes. A fantasia é in (está na moda) ou "investe-se" contra a rigidez, a inflexibilidade, o preconceito do "concreto", do real, da vida real e também dos prédios, do aglomerado urbano e sem cor.

    O poeta compara a parada (que causou um grande congestionamento e ela própria, apesar da movimentação de alegria das pessoas, estava parada, por tanta gente, como um infarte, uma parada cardíaca). É ambígua a leitura. Se pode ler a partir da "Cardíaca/A cidade..." ou "...que
    causa a parada/Cardíaca". Brinca do "orgulho" da cidade de possuir a maior parada gay do mundo. Esse orgulho é claro, é ironia do poeta, pois que de fato, não ocorre, para a maioria das pessoas (muitos dos 18 milhões que vivem na cidade) que se sentem um tanto constrangidos, sentimento semelhante que se encontra nas famílias tradicionais o fato de possuirem um homossexual na família. O poeta então brinca com a ironia sobre esse "orgulho".

    O poeta traz um pouco de cultura e brinca com "Baco comovido/ri como o diabo". (Baco, deus da suruba, do oba-oba, da devassa, da alegria carnal) - Verso que faz um espelhamento sonoro entre os signos Baco/diabo e como/comovido e ainda com a expressão "rir como o diabo".
    Mostrando que o deus "grecoromano" é o que viria a ser o promotor de culpa cristão - diabo. Demonstra também que o assunto do homossexualismo é tão antigo quanto o ser humano, ou quanto a questão de deuses. E que a parada é uma alusão às antigas festas bacanais, onde se celebravam os prazeres sensuais, sem preconceitos sociais ou sexuais, conforme os historiadores do período.

    "Biodiversidade do Homo sapiens" é um achado - homossexuais são seres humanos, como dita o latim - Homo sapiens. A brincadeira de sermos também animais brinca com a tendência de se querer descobrir o "gen gay" e a cientificação que torna o assunto um circo de horrores, uma
    ida ao zoológico. Brinca com o sentimento de animalização que se atribui aos homossexuais.

    "Tem bexiga,
    Algodão-doce,
    Maçã do amor,
    Namorados,
    Vovó...
    Olhe só:
    Meninos de mãos dadas
    Aos pais
    Levando cata-ventos."

    Aqui o poeta enumera coisas que se encontram no zoológico. A sequência termina em "Vovó..." e pode novamente causar diferentes leituras. Ou "Vovó é uma das coisas que tem, ou o menino chama a atenção da vovó: "Vovó...olhe só: meninos de mãos dadas aos pais, levando cata-ventos" Ou: "Meninos de mãos dadas, aos pais, levando cata-ventos". Novamente ambíguo.

    "
    Famílias inteiras atentas
    Ao vôo exótico de dois milhões de borboletas
    Esquecendo-se que são vermes
    Diante da casa das rosas"

    A casa das rosas é uma casa tombada como patrimônio da cidade na avenida paulista. É uma casa singela, delicada, muito bonita. Os dois milhões de borboletas são os 2 milhões de participantes.

    Aqui uma ambiguidade linda: "Esquecendo-se que são vermes" pode se referir tanto à "Famílias inteiras atentas" ou aos "dois milhões de borboletas". No primeiro caso, as famílias que vão para criticar, sentindo-se superiores, e se esquecem que também são vermes, que um dia vão morrer e etc. Ou o sentimento de ser considerado um "verme", um ser desprezível, uma forma nojenta de vida, que é o estigma com que a sociedade trata aos homossexuais.

    O poeta finaliza com a chave de ouro:


    "............................Sexual
    ..................Atração
    Turística"

    "A atração sexual virando atração turística", no caso dos curiosos, das famílias, dos simpatizantes, etc. Ou a "Atração Turística virando atração sexual", para os gays que foram à parada e se sentiram atraídos por alguém e flertaram ou ficaram, etc. Novamente a ambiguidade planejada permite essas duas leituras.

    Termino dizendo que o poeta manteve planejadamente a ambiguidade do poema, não se posicionando sobre o assunto. O poema aponta ser a favor ou contra o homossexualismo de acordo com a visão e posicionamento de cada leitura, de cada leitor.