Segunda-feira, 13 de junho de 2005
Copas do mundo
Lembro que chorei em 86, quando perdemos, nas semifinais, para a França.
Tinha dez anos.
Assistia ao jogo na casa da minha avó
Meus pais foram para o México.
Acreditavam que me divertiria mais se ficasse.
Acho que o Brasil já começava a perder naquele instante.
Meu pai sempre fora fanático por futebol e me transmitira isso de alguma forma, junto aos genes de calvície e colesterol alto. Minha mãe odiava futebol, mas adorava festas e viagens - aquela Oba-Oba dos pré e pós-jogos, as bandeirinhas, o pula-pula, a farra organizada em verde amarelo.
Separados na geografia, unidos na atenção sobre a bola.
E no girar do relógio com a bola, apesar dos meus gritos e desespero sincero, a mágica se deu no país de Paris. A bola bateu na trave e nas costas do goleiro marcando um inédito gol de pênalti. O Brasil não seria mais campeão.
Chorei.
Chorei muito em 86.
E me doía mais imaginar como deveria estar sendo triste para meu pai que só pude rever dias depois, quando retornou todo bronzeado, feliz da vida, de sua viagem com mamãe.
Quando lhe perguntei sobre o jogo ele me respondeu "Que jogo?". "Do Brasil com a França, pai". "E o que é que tem? A gente mora num país de merda que se vende mesmo. A culpa é daquele desgraçado do Ricardo Teixeira, cartola de merda que fica vendendo o país pro estrangeiro". Confesso que não entendi muito bem essa fúria do meu pai contra a cartola do seu Ricardo Teixeira, fosse ele quem fosse.
Nas últimas horas daquele ano, meu pai enfartou (felizmente não fulminante), jogando futebol na festa de reveillon. Tinha certeza na época de que além das idas diárias aos rodízios e dos quilos e quilos de queijos derretidos, entupiu-lhe as veias muito mais, mais essa decepção.
Creio serem as copas feitas de quatro em quatro anos para que as feridas se cicatrizem.
Em 1994, embriagado pela global ação das ondas televisivas e da euforia da vizinhança e, sobretudo do meu pai que, embora advertido pelo médico que não participasse daquela tensão de copa, não cansava de repetir "Dessa vez vai. O baixinho vai acabar com esses desgraçados", nada pude fazer senão dar à copa uma chance. Claro que o fiz com alguma ressalva: Sem poder jamais esquecer a tarde na casa da minha avó, onde chorei sozinho a derrota contra a França, tive tanto medo de me decepcionar novamente, ou de ter um enfarte como meu pai, que assisti a todos os jogos daquela copa menos um: Brasil contra Itália. Parecia ser um sonho enquanto soube, pelos gritos do meu pai orquestrando a grita de toda a vizinhança, de uma nação, de que o Brasil, após 20 anos de desempregos, miséria, dívida e dúvida externa, ditadura e corrupção, era novamente o campeão do mundo.
Hoje, por mais que assista ao videoteipe daquele jogo, carrego a pontinha doída de saber que me faltou a coragem naquele instante de me entregar à roda da fortuna e de me deixar levar na explosão da peripécia do inesperado, no girar do globo da sorte, na catarse explosiva da vitória do desejado contra o destino. Perdi o instante que, mesmo preso na fita, não é o mesmo, pois recusei que fosse preso em mim, no meu entupido de medo coração.
Quatro anos depois, levamos para França um time imbatível. Os melhores do mundo vestindo a clássica amarelinha. Só perderíamos aquela copa se acontecesse uma mágica. E foi com esse sentimento de enfrentar de peito aberto o desconhecido que assisti a final de 98 do Brasil contra
a mesma França.
Levei um petardo direto no peito. Perdemos feio. E ninguém me tira a certeza de que alguém ganhou bonito para que novamente a mágica se desse contra o país do futebol. Houve um fenômeno inexplicável que fez com que o Fenômeno, inexplicavelmente, desaprendesse por instantes a jogar. Foi nesse dia que eu aprendi por que papai chamava os políticos do futebol de Cartolas. Para o Brasil perder, basta jogar dinheiro dentro da cartola, que a mágica acontece.
Weider Weise, que teve tanta bronca da França, que para se aliviar, hoje faz bacharelado em Letras Francesas na USP, apenas para poder xingar aos franceses sem legendas.
Tinha dez anos.
Assistia ao jogo na casa da minha avó
Meus pais foram para o México.
Acreditavam que me divertiria mais se ficasse.
Acho que o Brasil já começava a perder naquele instante.
Meu pai sempre fora fanático por futebol e me transmitira isso de alguma forma, junto aos genes de calvície e colesterol alto. Minha mãe odiava futebol, mas adorava festas e viagens - aquela Oba-Oba dos pré e pós-jogos, as bandeirinhas, o pula-pula, a farra organizada em verde amarelo.
Separados na geografia, unidos na atenção sobre a bola.
E no girar do relógio com a bola, apesar dos meus gritos e desespero sincero, a mágica se deu no país de Paris. A bola bateu na trave e nas costas do goleiro marcando um inédito gol de pênalti. O Brasil não seria mais campeão.
Chorei.
Chorei muito em 86.
E me doía mais imaginar como deveria estar sendo triste para meu pai que só pude rever dias depois, quando retornou todo bronzeado, feliz da vida, de sua viagem com mamãe.
Quando lhe perguntei sobre o jogo ele me respondeu "Que jogo?". "Do Brasil com a França, pai". "E o que é que tem? A gente mora num país de merda que se vende mesmo. A culpa é daquele desgraçado do Ricardo Teixeira, cartola de merda que fica vendendo o país pro estrangeiro". Confesso que não entendi muito bem essa fúria do meu pai contra a cartola do seu Ricardo Teixeira, fosse ele quem fosse.
Nas últimas horas daquele ano, meu pai enfartou (felizmente não fulminante), jogando futebol na festa de reveillon. Tinha certeza na época de que além das idas diárias aos rodízios e dos quilos e quilos de queijos derretidos, entupiu-lhe as veias muito mais, mais essa decepção.
Creio serem as copas feitas de quatro em quatro anos para que as feridas se cicatrizem.
Em 1994, embriagado pela global ação das ondas televisivas e da euforia da vizinhança e, sobretudo do meu pai que, embora advertido pelo médico que não participasse daquela tensão de copa, não cansava de repetir "Dessa vez vai. O baixinho vai acabar com esses desgraçados", nada pude fazer senão dar à copa uma chance. Claro que o fiz com alguma ressalva: Sem poder jamais esquecer a tarde na casa da minha avó, onde chorei sozinho a derrota contra a França, tive tanto medo de me decepcionar novamente, ou de ter um enfarte como meu pai, que assisti a todos os jogos daquela copa menos um: Brasil contra Itália. Parecia ser um sonho enquanto soube, pelos gritos do meu pai orquestrando a grita de toda a vizinhança, de uma nação, de que o Brasil, após 20 anos de desempregos, miséria, dívida e dúvida externa, ditadura e corrupção, era novamente o campeão do mundo.
Hoje, por mais que assista ao videoteipe daquele jogo, carrego a pontinha doída de saber que me faltou a coragem naquele instante de me entregar à roda da fortuna e de me deixar levar na explosão da peripécia do inesperado, no girar do globo da sorte, na catarse explosiva da vitória do desejado contra o destino. Perdi o instante que, mesmo preso na fita, não é o mesmo, pois recusei que fosse preso em mim, no meu entupido de medo coração.
Quatro anos depois, levamos para França um time imbatível. Os melhores do mundo vestindo a clássica amarelinha. Só perderíamos aquela copa se acontecesse uma mágica. E foi com esse sentimento de enfrentar de peito aberto o desconhecido que assisti a final de 98 do Brasil contra
a mesma França.
Levei um petardo direto no peito. Perdemos feio. E ninguém me tira a certeza de que alguém ganhou bonito para que novamente a mágica se desse contra o país do futebol. Houve um fenômeno inexplicável que fez com que o Fenômeno, inexplicavelmente, desaprendesse por instantes a jogar. Foi nesse dia que eu aprendi por que papai chamava os políticos do futebol de Cartolas. Para o Brasil perder, basta jogar dinheiro dentro da cartola, que a mágica acontece.
Weider Weise, que teve tanta bronca da França, que para se aliviar, hoje faz bacharelado em Letras Francesas na USP, apenas para poder xingar aos franceses sem legendas.
