Vinte moedas
I
Aqui,
Tudo que importa
Se exporta, pela porta
Dos fundos
II
A gente trafegada feito gado,
A preço de banana nanica,
Servos dos servos da rica
Nação de burguês endividado,
Serve à gente de espelho.
III
Que orgulho!
O país modelo
De vergonha.
De vergonha,
Cobre o rosto
A modelo
Mais linda do mundo.
Brasileira,
Mas, linda, do mundo.
IV
O pós-doutorado rouba
Após.
O mestre
De obras rouba
Como um mestre.
O gigolô rouba à mãe do deputado,
O assaltado ao dono do posto adulterado.
O pastor saqueia o povo,
O traficante e o camelô vendem sem nota
(Mas pelo menos assumem)
O presidenteDo sindicato
Do roubo
Desarmado,
Rouba.
Até o cleptomaníaco rouba
(Rouba mas não diz)
Todo mundo é o mesmo,
Todo o Mundo, mesmo,
Rouba esse país.
Só
O pobre
Coitado
Sobra.
V
Quem cobra imposto
Encobre o rabo
No país de cobra.
Sim, aceito um cafezinho
Se é de coração.
Na auto-estrada as onças voam.
VI
Tem menos quem menos toma,
Enquanto o povo vai tomando
Cuidado até com a própria sombra.
Alguém é preso por que grita:
- Cuidado! A política anda solta!
VII
Eu perdi o dedo.
Eu perdi o medo.
Eu perdi o credo.
Eu perdi o emprego.
Eu perdi o senso.
Eu perdi o crédito.
Nessa anarquia disfarçada,
O dinheiro balança calmamente,
Sob uma trilha sonora da família Caymi,
Sob a sombra, numa rede, de uma ilha Cayman.
VIII
Aqui
Tudo se vende e compra
De vendas, de vento
Em pompa
IX
Vamos ouvir a mais ouvida.
A mais paga
Batida
No jabá nacional.
X
Luís Inácio falou, Luís Inácio avisou
São duzentos picaretas com anel de doutor.
Esses versos
Furtados
De novo
Comprovam:
Ah...ele sabia sim.
XI
A escalação da seleção
Acompanha
A cotação do dólar.
XII
Tem mulheres
De pedra
Puxando os cabelos
Em frente ao armário
Cheinho de cabides
Do planalto central
XIII
O Palloci do governo
Foi acusado
De andar com a turma do lixo
XIV
É feio comprar orgasmos
E esquecimento
Mas voto pode.
XV
O amputado federal
Preside
O maior espetáculo da terra.
XVI
Vende-se um circo
Com vista para o mal.
XVII
Esse poema encontra-se de posse de um seqüestrador.
Como não se valoriza a cultura nesse país
Se o tivermos de novo um dia,
Será dedo a dedo.
XVIII
Nessa tarde,
O padre
Que roubou sua infância
Morreu de velho.
XIX
Vinte moedas de prata
Foi o preço
Do suicídio de Judas
XX
Até você
Que é honesto
Já sonhou em roubar
Um beijo
Comentários:
Todos os poemas foram escritos num jorro, depois devidamente trabalhado para ajustar em alguma técnica afim de produzir o efeito desejado.
Todos possuem um tom meio jocoso, lúdico, irônico. Mas tratam de assunto sério: A perca de fé na nação. Na política. Na capacidade de qualquer ética resistir ao jeitinho brasileiro. A lei da vantagem. Ao apadrinhamento.
I - Brincadeira com a desfavorável balança comercial.
II - Lembrança dos escravos e índios comercializados sem o devido valor. A lei sempre do lado do mais "forte". Vale dizer que relembra também que fomos coloniados por pessoas que "deviam" à Coroa Portuguesa e que a exploração gerou muito mais riqueza para o Império do que para os que executavam as maldades do embrião capitalista. Esses eram tão servos quanto os escravos.
III - Brinca com a baixo-estima que o brasileiro possue mas que ao mesmo tempo se orgulha de ser um país exportador de "mulheres bonitas". Ora, a maior modelo do mundo é brasileira, mas é do mundo. Fica mais tempo fora que dentro. Poucas empresas nacionais podem pagar seu cachê.
IV - Conformismo que todo mundo rouba, menos o pobre honesto, o pobre coitado. Há alguns achados poéticos interessantes como o verso "O gigolô rouba à mãe do deputado," que dispensa comentários."O pastor saqueia o povo" foi escolhido saquear por que é um saco, uma sacola que passa na igreja.
V - Poema sobre fiscais do imposto. Todos conhecemos casos próximos de pessoas que sonegaram algum imposto, maliciosamente ou não. E casos de fiscais que ofereceram "quebrar" a multa prevista em lei em troca de um "favor". Isso é o pior assalto - assalto dentro da lei. "Na auto-estrada as onças voam" é sobre os rodoviários que se deixam ou que se insinuam por suborno em troca de não aplicar a lei.
VI - "Tem menos quem menos toma" é a mais pura verdade capitalista brasileira. E o povo vai tomando...cuidado até com a própria sombra - o seu próprio lado escuro - o seu próprio fraquejar diante de uma situação semelhante. Será que se me oferecessem mensalão eu não aceitaria?
VII - A sensação de que uma vida de perdas justifica atos anti-éticos e até criminais. A sensação de que o "mundo de deve alguma coisa" e vou "cobrar com juros". E ao mesmo tempo de tanta miséria, tantos que roubam descaradamente o Estado. Anarquia? Isto é pior que Anarquia - é o engano de que há ordem no caos. (Os físicos podem contestar, ok. Mas a ordem caótica não entra nessa questão).
VIII - Tudo se compra e vende de vendas. No escuro, na camaradagem. Na malandragem. De ventos em pompa. Brinca com a expressão "De ventos em popa" - que significa que vai numa velocidade grande e pompa - aparentar ser o que não se é. Os dois signos juntos cria um novo que é a velocidade enorme de conseguir ostentar, ser o que, de fato, no momento, não se é.
IX - O uso de pagamento para que uma canção seja executada na rádio. Jabá é a maior ferida de um artista. O fato de que não importa a qualidade do produto, mas sim a qualidade do marketing que esse produto recebe. Isso vira signo para coisas como ouvir discursos políticos que são pura demagogia.
X - O poema "empresta"(ok seria até plágio, olha nós roubando aqui, mas como recurso estilístico, licença poética) o refrão da canção do Paralamas, na qual o Herbert se "apropria" (ladrão que rouba ladrão...) de uma frase do então deputado Lula. É o sentimento de decepção, seguido daquele sorrizinho irônico de quem pega o outro em cima da cama. Ah...sabia sim...
XI - Isso pode ser considerado uma acusação grave, mas "brinca", ou "sugere" duas coisas - primeiro que o que é de bom é exportado e que a "seleção" é feita a partir de critérios que podem ser considerados um tanto quanto...indignos.
XII - Sobre cabides de emprego, descrevendo a estátua a célebre estátua próximo ao palácio.
XIII - Sobre a acusação do envolvimento do ministro no escândalo do lixo. Também pela brincadeira que o Palácio do Governo - que representa o poder de decisão da nação - é o Palocci - uma insinuação de quem realmente manda nessa bodega.
XIV - Compra de votos do povo (com santinhos, promessas, etc...) e dos deputados (mensalão, cargos políticos, etc).
XV - Lula. O amputado federal, preside "o maior espetáculo da terra"alusão ao carnaval que é signo de bagunça, libertinagem, orgia, perversão. Diversão também. E a gente acaba por levar no humor o que seria intragável sóbrio.
XVI - O país está a venda. Com "vista para o mar" (um privilégio, um benefício) virou com vista para o mal (um peso, uma desgraça).
XVII - Sequestros relâmpagos. Nem sempre pagos. Nem sempre relâmpagos.
XVIII - Abuso infantil. Morreu de velho - demorou para morrer.
XIX - Vinte moedas de prata foi o preço da traição de Judas, ao vender Jesus para os fariseus. Quando este acordou de que havia cometido uma injustiça se arrependeu, mas era tarde. Suicidou-se. Por isso o poema vai direto ao preço do suicídio. Essa ida conta toda a história através do técnica escolhida. Também remete ao haver vinte poemas. Sendo que está como o XIX (19º) porque um está "sequestrado".
XX - Roubar um beijo é bom, mas impróprio para maiores de 18 anos.
Weider Weise