Segunda-feira, 22 de agosto de 2005
Vela
Lá vai o veleiro
Sob o sol
Trêmulo.
Singrando
O mistério imenso, deixa o mar
Sangrando.
O talho do leme é breve.
Qual atalho, o sal
Abrevia a ferida na pele.
Não há de haver marcas no mar,
Como não há as do barco de ontem.
Não perdura sequer a vida, o instante do curso.
Só, eu, que de longe assisto e (a)pre(e)ndo,
Só, sob o arregalado olho solitário,
Levarei comigo o trajeto do barco.
Lá vai a vela soprada,
O pavio que fumega,
Até se apagar no horizonte.
weider weise
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Poema sobre a brevidade da vida. Sobre a não persistência. Sobre a necessidade de que qualquer existência seja apreendida por outra, pelo OUTRO.
A idéia do poema me veio quando meditei que para mim, Drummond vive porque quando o leio, o seu pensamenteo, ou parte dele, parte do seu trajeto, vive em mim através do que ficou armazenado sob a forma de arte. Esse é o papel da arte, das fotos, da lembrança, da História. Persistir uma existência, uma idéia, um sentimento, etc...
A primeira estrofe não usa as vírgulas para causar a ambiguidade do trêmulo se referenciar ao barco e ao sol. A imagem de algo trêmulo é ressaltar a sensação de brevidade, de inconstância, de não persistência.
A segunda estrofe usa o som de singrando com o de sangrando, para expressar na forma estética da técnica a persistência do caminho do barco sobre o mar. Diz sobre o rastro (sangrando) deixado pelo barco ao singrar as águas. Pode ser também, por ambiguidade, o sangrando relacionado ao Barco, o barco que vai sangrando, se desfazendo...pode ser também, por ligação do todo à parte, a tripulação do barco.
A terceira estrofe diz sobre a brevidade desse rastro, desse ferimento. A expressão "ferida na pele", causada pelo leme, pode ser a ferida na mão do marujo que segura o leme, como também a ferida na pele do mar, sobre as águas. O rastro é breve. Logo o sal apaga. O talho e o atalho fazem uma rima interna e rica, ligando o som dos dois versos, cujo o significado semântico está ligado entre si. Assim, a forma e o conteúdo se justificam: O atalho só existe porque houve o talho. A rima acontece no segundo verso somente porque apareceu no primeiro. Vale lembrar que a ferida no mar é o próprio trajeto do barco. O trajeto se apaga rapidamente.
Na quarta estrofe a persistência do som marca e mar aumentam a sensação de rastro, persistência, duração, transmitida nos versos. O terceiro verso da estrofe vai perdendo esse som, indo para outros. Isto causa uma sensação de apagamento.
A quinta estrofe diz que somente o espectador ficará marcado com a cicatriz da travessia do barco sobre o mar. A marca se apagará da pele do mar, mas não da memória daquele que assiste, solitário, como o sol (o arregalado olho solitário). O trajeto do barco ficará guardado dentro de quem está fora do barco. Além disso, o barco e o SER VIVO do eu-lírico, do narrador do poema, são um só. A uma disassociação entre o ser que descreve a própria vida e o ser em si. A autobiografia, poética ou não, é sempre sobre um outro, mesmo que o mesmo. Esse conceito parece estranho, mas quem filosofa sobre o SER, quem alguma vez fez ensaios ontológicos, sabe do que dizemos.
Na sexta e última estrofe, o poema brinca com a semelhança entre a VELA pano de barco e a VELA chama de luz sobre a parafina. O barco então vira o próprio eu-lírico, a idéia da vida. A vida que promove um trajeto curto e logo se apaga e que deve ser persistida através de outro. Esse OUTRO pode ser uma pessoa, uma obra de arte, uma biografia, um livro, um filme, um poema. A vida do barco se apagará. Mas não a lembrança guardada. O OUTRO levará consigo o trajeto do barco. É sobre isso o poema.
A idéia do poema me veio quando meditei que para mim, Drummond vive porque quando o leio, o seu pensamenteo, ou parte dele, parte do seu trajeto, vive em mim através do que ficou armazenado sob a forma de arte. Esse é o papel da arte, das fotos, da lembrança, da História. Persistir uma existência, uma idéia, um sentimento, etc...
A primeira estrofe não usa as vírgulas para causar a ambiguidade do trêmulo se referenciar ao barco e ao sol. A imagem de algo trêmulo é ressaltar a sensação de brevidade, de inconstância, de não persistência.
A segunda estrofe usa o som de singrando com o de sangrando, para expressar na forma estética da técnica a persistência do caminho do barco sobre o mar. Diz sobre o rastro (sangrando) deixado pelo barco ao singrar as águas. Pode ser também, por ambiguidade, o sangrando relacionado ao Barco, o barco que vai sangrando, se desfazendo...pode ser também, por ligação do todo à parte, a tripulação do barco.
A terceira estrofe diz sobre a brevidade desse rastro, desse ferimento. A expressão "ferida na pele", causada pelo leme, pode ser a ferida na mão do marujo que segura o leme, como também a ferida na pele do mar, sobre as águas. O rastro é breve. Logo o sal apaga. O talho e o atalho fazem uma rima interna e rica, ligando o som dos dois versos, cujo o significado semântico está ligado entre si. Assim, a forma e o conteúdo se justificam: O atalho só existe porque houve o talho. A rima acontece no segundo verso somente porque apareceu no primeiro. Vale lembrar que a ferida no mar é o próprio trajeto do barco. O trajeto se apaga rapidamente.
Na quarta estrofe a persistência do som marca e mar aumentam a sensação de rastro, persistência, duração, transmitida nos versos. O terceiro verso da estrofe vai perdendo esse som, indo para outros. Isto causa uma sensação de apagamento.
A quinta estrofe diz que somente o espectador ficará marcado com a cicatriz da travessia do barco sobre o mar. A marca se apagará da pele do mar, mas não da memória daquele que assiste, solitário, como o sol (o arregalado olho solitário). O trajeto do barco ficará guardado dentro de quem está fora do barco. Além disso, o barco e o SER VIVO do eu-lírico, do narrador do poema, são um só. A uma disassociação entre o ser que descreve a própria vida e o ser em si. A autobiografia, poética ou não, é sempre sobre um outro, mesmo que o mesmo. Esse conceito parece estranho, mas quem filosofa sobre o SER, quem alguma vez fez ensaios ontológicos, sabe do que dizemos.
Na sexta e última estrofe, o poema brinca com a semelhança entre a VELA pano de barco e a VELA chama de luz sobre a parafina. O barco então vira o próprio eu-lírico, a idéia da vida. A vida que promove um trajeto curto e logo se apaga e que deve ser persistida através de outro. Esse OUTRO pode ser uma pessoa, uma obra de arte, uma biografia, um livro, um filme, um poema. A vida do barco se apagará. Mas não a lembrança guardada. O OUTRO levará consigo o trajeto do barco. É sobre isso o poema.
