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  • Segunda-feira, 29 de agosto de 2005




    Vinte moedas

    I

    Aqui,
    Tudo que importa
    Se exporta, pela porta
    Dos fundos

    II

    A gente trafegada feito gado,
    A preço de banana nanica,
    Servos dos servos da rica
    Nação de burguês endividado,
    Serve à gente de espelho.

    III

    Que orgulho!
    O país modelo
    De vergonha.
    De vergonha,
    Cobre o rosto
    A modelo

    Mais linda do mundo.
    Brasileira,
    Mas, linda, do mundo.

    IV

    O pós-doutorado rouba
    Após.
    O mestre
    De obras rouba
    Como um mestre.

    O gigolô rouba à mãe do deputado,
    O assaltado ao dono do posto adulterado.

    O pastor saqueia o povo,
    O traficante e o camelô vendem sem nota
    (Mas pelo menos assumem)

    O presidenteDo sindicato
    Do roubo
    Desarmado,
    Rouba.

    Até o cleptomaníaco rouba
    (Rouba mas não diz)

    Todo mundo é o mesmo,
    Todo o Mundo, mesmo,
    Rouba esse país.


    O pobre
    Coitado
    Sobra.

    V

    Quem cobra imposto
    Encobre o rabo
    No país de cobra.
    Sim, aceito um cafezinho
    Se é de coração.
    Na auto-estrada as onças voam.

    VI

    Tem menos quem menos toma,
    Enquanto o povo vai tomando

    Cuidado até com a própria sombra.
    Alguém é preso por que grita:
    - Cuidado! A política anda solta!


    VII

    Eu perdi o dedo.
    Eu perdi o medo.
    Eu perdi o credo.

    Eu perdi o emprego.
    Eu perdi o senso.
    Eu perdi o crédito.

    Nessa anarquia disfarçada,
    O dinheiro balança calmamente,
    Sob uma trilha sonora da família Caymi,
    Sob a sombra, numa rede, de uma ilha Cayman.


    VIII

    Aqui
    Tudo se vende e compra
    De vendas, de vento
    Em pompa

    IX

    Vamos ouvir a mais ouvida.
    A mais paga
    Batida
    No jabá nacional.


    X

    Luís Inácio falou, Luís Inácio avisou
    São duzentos picaretas com anel de doutor.
    Esses versos
    Furtados
    De novo
    Comprovam:

    Ah...ele sabia sim.

    XI

    A escalação da seleção
    Acompanha
    A cotação do dólar.

    XII

    Tem mulheres
    De pedra
    Puxando os cabelos
    Em frente ao armário
    Cheinho de cabides
    Do planalto central


    XIII

    O Palloci do governo
    Foi acusado
    De andar com a turma do lixo

    XIV

    É feio comprar orgasmos
    E esquecimento
    Mas voto pode.


    XV

    O amputado federal
    Preside
    O maior espetáculo da terra.

    XVI

    Vende-se um circo
    Com vista para o mal.

    XVII

    Esse poema encontra-se de posse de um seqüestrador.
    Como não se valoriza a cultura nesse país
    Se o tivermos de novo um dia,
    Será dedo a dedo.

    XVIII

    Nessa tarde,
    O padre
    Que roubou sua infância
    Morreu de velho.


    XIX

    Vinte moedas de prata
    Foi o preço
    Do suicídio de Judas

    XX

    Até você
    Que é honesto
    Já sonhou em roubar
    Um beijo


    *****************


    Comentários:

    Todos os poemas foram escritos num jorro, depois devidamente trabalhado para ajustar em alguma técnica afim de produzir o efeito desejado.

    Todos possuem um tom meio jocoso, lúdico, irônico. Mas tratam de assunto sério: A perca de fé na nação. Na política. Na capacidade de qualquer ética resistir ao jeitinho brasileiro. A lei da vantagem. Ao apadrinhamento.

    I - Brincadeira com a desfavorável balança comercial.

    II - Lembrança dos escravos e índios comercializados sem o devido valor. A lei sempre do lado do mais "forte". Vale dizer que relembra também que fomos coloniados por pessoas que "deviam" à Coroa Portuguesa e que a exploração gerou muito mais riqueza para o Império do que para os que executavam as maldades do embrião capitalista. Esses eram tão servos quanto os escravos.

    III - Brinca com a baixo-estima que o brasileiro possue mas que ao mesmo tempo se orgulha de ser um país exportador de "mulheres bonitas". Ora, a maior modelo do mundo é brasileira, mas é do mundo. Fica mais tempo fora que dentro. Poucas empresas nacionais podem pagar seu cachê.

    IV - Conformismo que todo mundo rouba, menos o pobre honesto, o pobre coitado. Há alguns achados poéticos interessantes como o verso "O gigolô rouba à mãe do deputado," que dispensa comentários."O pastor saqueia o povo" foi escolhido saquear por que é um saco, uma sacola que passa na igreja.

    V - Poema sobre fiscais do imposto. Todos conhecemos casos próximos de pessoas que sonegaram algum imposto, maliciosamente ou não. E casos de fiscais que ofereceram "quebrar" a multa prevista em lei em troca de um "favor". Isso é o pior assalto - assalto dentro da lei. "Na auto-estrada as onças voam" é sobre os rodoviários que se deixam ou que se insinuam por suborno em troca de não aplicar a lei.

    VI - "Tem menos quem menos toma" é a mais pura verdade capitalista brasileira. E o povo vai tomando...cuidado até com a própria sombra - o seu próprio lado escuro - o seu próprio fraquejar diante de uma situação semelhante. Será que se me oferecessem mensalão eu não aceitaria?

    VII - A sensação de que uma vida de perdas justifica atos anti-éticos e até criminais. A sensação de que o "mundo de deve alguma coisa" e vou "cobrar com juros". E ao mesmo tempo de tanta miséria, tantos que roubam descaradamente o Estado. Anarquia? Isto é pior que Anarquia - é o engano de que há ordem no caos. (Os físicos podem contestar, ok. Mas a ordem caótica não entra nessa questão).

    VIII - Tudo se compra e vende de vendas. No escuro, na camaradagem. Na malandragem. De ventos em pompa. Brinca com a expressão "De ventos em popa" - que significa que vai numa velocidade grande e pompa - aparentar ser o que não se é. Os dois signos juntos cria um novo que é a velocidade enorme de conseguir ostentar, ser o que, de fato, no momento, não se é.

    IX - O uso de pagamento para que uma canção seja executada na rádio. Jabá é a maior ferida de um artista. O fato de que não importa a qualidade do produto, mas sim a qualidade do marketing que esse produto recebe. Isso vira signo para coisas como ouvir discursos políticos que são pura demagogia.

    X - O poema "empresta"(ok seria até plágio, olha nós roubando aqui, mas como recurso estilístico, licença poética) o refrão da canção do Paralamas, na qual o Herbert se "apropria" (ladrão que rouba ladrão...) de uma frase do então deputado Lula. É o sentimento de decepção, seguido daquele sorrizinho irônico de quem pega o outro em cima da cama. Ah...sabia sim...

    XI - Isso pode ser considerado uma acusação grave, mas "brinca", ou "sugere" duas coisas - primeiro que o que é de bom é exportado e que a "seleção" é feita a partir de critérios que podem ser considerados um tanto quanto...indignos.

    XII - Sobre cabides de emprego, descrevendo a estátua a célebre estátua próximo ao palácio.

    XIII - Sobre a acusação do envolvimento do ministro no escândalo do lixo. Também pela brincadeira que o Palácio do Governo - que representa o poder de decisão da nação - é o Palocci - uma insinuação de quem realmente manda nessa bodega.

    XIV - Compra de votos do povo (com santinhos, promessas, etc...) e dos deputados (mensalão, cargos políticos, etc).

    XV - Lula. O amputado federal, preside "o maior espetáculo da terra"alusão ao carnaval que é signo de bagunça, libertinagem, orgia, perversão. Diversão também. E a gente acaba por levar no humor o que seria intragável sóbrio.

    XVI - O país está a venda. Com "vista para o mar" (um privilégio, um benefício) virou com vista para o mal (um peso, uma desgraça).

    XVII - Sequestros relâmpagos. Nem sempre pagos. Nem sempre relâmpagos.

    XVIII - Abuso infantil. Morreu de velho - demorou para morrer.

    XIX - Vinte moedas de prata foi o preço da traição de Judas, ao vender Jesus para os fariseus. Quando este acordou de que havia cometido uma injustiça se arrependeu, mas era tarde. Suicidou-se. Por isso o poema vai direto ao preço do suicídio. Essa ida conta toda a história através do técnica escolhida. Também remete ao haver vinte poemas. Sendo que está como o XIX (19º) porque um está "sequestrado".

    XX - Roubar um beijo é bom, mas impróprio para maiores de 18 anos.


    Weider Weise